top of page

LAMA DA SAMARCO NO SURTO DE FEBRE AMARELA? 

 Em: http://www.ambientelegal.com.br/lama-da-samarco-e-o-surto-de-febre-amarela/

Por Antonio Fernando Pinheiro Pedro

Advogado, jornalista e consultor ambiental. Integrante do Green Economy Task Force da Câmara de Comércio Internacional (Paris), editor-Chefe do Portal Ambiente Legal e do site The Eagle View.

O Estado de São Paulo publicou:

“Há uma possível relação entre o surto da doença em Minas Gerais e a tragédia causada pelo rompimento da barragem da Samarco – controlada pela Vale e BHP Bilinton que praticamente destruiu a Bacia do Rio Doce.”

A notícia confirmava um “causo” conhecido nos meios ambientais, ocorrido no final de 2015, logo após a tragédia de Mariana. Segundo dizem, o já falecido biólogo André Ruschi, filho do naturalista Augusto Ruschi, pretendendo analisar as condições da bacia atingida pela lama da Samarco, ao visitar uma fazenda no município de Baixo Guandu no Espírito Santo, às margens do Rio Doce, perguntara ao gerente da fazenda se ele ouvia sapos desde a contaminação. Ao receber a resposta negativa, o cientista afirmou: “Se preparem para um surto de Febre amarela, pois, sem peixes e sapos é inevitável que isto aconteça.”

 

O dano ambiental da lama da Samarco

A tragédia, de proporções monumentais, decorreu provavelmente de crime ambiental atribuído pelo Ministério Público às empresas envolvidas. O desastre foi provocado pelo rompimento da barragem de Fundão, pertencente à mineradora Samarco, controlada pelas empresas BHP Billiton e Vale S.A, em novembro de 2015.

Apesar das mortes e dos danos descomunais, os envolvidos seguem praticamente impunes, depois de mais de um ano.

O rompimento atingiu violentamente várias comunidades da região, matou 19 pessoas, prejudicou a economia de dezenas municípios atingidos, destruiu a produção agrícola de diversas famílias, exterminou os peixes que alimentavam ribeirinhos e indígenas da região, afetou milhões de pessoas que vivem e dependem da água e das terras da Bacia do Rio Doce. Sem dúvida, tratou-se da maior catástrofe socioambiental na história do Brasil e uma das maiores geradas pela mineração no mundo.

 

Desastre ambiental e o mosquito da Febre Amarela

Segundo a bióloga da Fiocruz Márcia Chame, o aumento dos casos suspeitos de febre amarela em Minas Gerais pode estar relacionado à tragédia de Mariana, quando 55 milhões de m³ de lama vazaram da barragem de Fundão após seu rompimento. A possível relação entre os dois fatos ocorre uma vez que grande parte das cidades mineiras que identificaram casos de pessoas com sintomas da doença estão na região próxima ao Rio Doce, local onde a barragem foi rompida.

“Mudanças bruscas no ambiente provocam impacto na saúde dos animais, incluindo macacos. Com o estresse de desastres, com a falta de alimentos, eles se tornam mais suscetíveis a doenças, incluindo a febre amarela”, afirmou a bióloga ao jornal.

Embora não seja o único motivo que possa ter contribuído para os casos, Márcia destaca o fato de que a região já sofria grandes abalos ambientais provocados pela mineração. “É um conjunto de coisas que vão se acumulando”, disse.

Para ela, este episódio lembra o que ocorreu no Rio Grande do Sul em 2009,quando um surto de febre amarela foi identificado no estado. “Ambientes naturais estão sendo destruídos. No passado, o ciclo de febre amarela era mantido na floresta. Com a degradação do meio ambiente, animais acabam também ficando mais próximos do homem, aumentando os riscos de contaminação.”

A bióloga explica que ao picar um macaco contaminado, o mosquito recebe o vetor da febre amarela (Haemagogus), que passa a transmiti-lo nas próximas picadas. Quando um ser humano sem estar vacinado é picado, começa a fazer parte do ciclo. Essa corrente aumenta quando animais, por desequilíbrios ambientais, deixam seus ambientes e passam a viver em áreas mais próximas de povoados ou cidades. “Com o desmatamento, animais também se deslocam, aumentando o risco de transmissão.”

Além de Minas, foram notificadas também mortes de macacos na região próxima da cidade capixaba de Colatina, também afetada pelos reflexos do acidente de Mariana. Não há ainda comprovação de que os macacos dessa área morreram por febre amarela.

 

Há precedentes no mundo

Pesquisas recentes sugerem que barragens na África subsaariana são responsáveis por “pelo menos 1,1 milhão de novos casos africanos de malária todo ano”, relatou Joby Warrick do Washington Post no ano de 2015.

Na bacia do Rio Senegal, na África Ocidental, em 1987, houve uma grande epidemia de febre do Vale do Rift. O surto deveeu-se a “uma série de modificações ecológicas no rio instituídas pelos governos da Mauritânia e do Senegal em cooperação com programas patrocinados internacionalmente”, o que incluía duas barragens, como relatou Kenneth J. Linthicum e seus colegas, do Centro de Entomologia Médica, Agrícola e Veterinária do Departamento de Agricultura dos EUA, ao Post.

E o que é válido para as represas também é para o corte e queimada de florestas, igualmente envolvidas no aumento de transmissão de doenças para humanos.

Chelsea Harvey, repórter do Washington Post, também mostrou como o desmatamento na Malásia parece ser outro principal elemento para a transmissão de malária, na medida em que serviu para aproximar humanos e macacos, permitindo que os mosquitos ajam como intermediários entre os dois, transmitindo a doença.

As áreas desmatadas tendem a ser mais quentes, por conta da ausência de árvores, que diminuem a temperatura, e essas temperaturas mais altas podem afetar partes cruciais do ciclo de vida do mosquito.

 

Alterações na forma de contágio

Por causa do surto de febre amarela, o governo de Minas fechou dois parque sestaduais por tempo indeterminado. A restrição de visitação ocorreu nos Parques Estaduais do Rio Doce e Serra do Brigadeiro.

As duas áreas verdes ficam em regiões onde há registro de casos da doença. A medida, segundo o Sistema Estadual de Meio Ambiente e Recursos Hídricos (Sisema), foi tomada depois de uma solicitação da Secretaria de Estado de Saúde (SES). Dezenas de macacos morreram nessas áreas, devido ao surto e a transmissão a humanos é risco real e efetivo.

A transmissão da febre amarela em área silvestre é feita por intermédio de mosquitos do gênero (principalmente) Haemagogus. O ciclo do vírus em áreas silvestres é mantido através da infecção de macacos e da transmissão transovariana (passado de mosquito para os seus descendentes, filhos) no próprio mosquito.

No entanto a transição da epidemia do meio rural para a área urbana se inicia com a contaminação do ser humano, a partir desta fase.

Uma vez infectada, a pessoa pode, ao retornar à cidade, servir como fonte de infecção para o mosquito Aedes aegypti, que então pode iniciar a transmissão da febre amarela em área urbana.

Uma pessoa pode ser fonte de infecção para o mosquito mesmo antes de surgirem os sintomas, até o quinto dia da infecção.

O Aedes aegypti é uma arma biológica terrível. Ele torna-se capaz de transmitir o vírus da febre amarela 9 a 12 dias após ter picado uma pessoa infectada.

Protegido pelo ambiente urbano, onde vive, será o grande transmissor também deste mal

 

Lama da Samarco alterou estatísticas

O desastre e o risco de vinculação com essa outra tragédia, da epidemia, é visível no extrato histórico estatístico da saúde.

No Brasil, a transmissão da febre amarela em áreas urbanas não ocorria desde 1942.

Como visto, em áreas de fronteiras de desenvolvimento agrícola, pode haver uma adaptação do transmissor silvestre ao novo habitat e ocorre a conseqüente possibilidade de transmissão da febre amarela em áreas rurais (“intermediária”). No entanto, a incidência até então era minúscula.

A identidade geográfica do início do surto mostra claramente que os estragos produzidos pelo desastre de Mariana contribuíram para na alteração de comportamento dos vetores.

Pelo visto, a lama da Samarco, passados mais de ano da tragédia, continua a descer e a poluir corações e mentes de infectados pela febre amarela…

 

Os danos para além das ações ajuizadas e acordos já efetuados

O rompimento da barragem de Fundão provocou destruição ao longo de toda a bacia do rio Doce, chegando ao mar, no município de Linhares/ES.

Houve perdas de vidas humanas, poluição e contaminação de recursos hídricos (córrego Santarém, rio Gualaxo do Norte, rio do Carmo, rio Doce e seus afluentes, regiões estuarina, costeira e marinha), do solo, do ar e do meio ambiente cultural.

O desastre comprometeu a economia regional e destruiu agricultura, pecuária, comércio, serviços e atividade pesqueira em toda a bacia hidrográfica, além da infraestrutura pública e privada nas cidades afetadas.

Os municípios também tiveram prejuízos, tanto os decorrentes da diminuição na arrecadação tributária, como os relacionados às ações emergenciais realizadas para mitigar os efeitos do desastre sobre a população atingida, e ainda à perda de receita de alguns serviços, como o de abastecimento de água, esgotamento sanitário e produção de energia elétrica.

Em razão disso, o MPF pediu a condenação dos réus – Samarco, Vale e BHP (controladoras da Samarco), para que seja reconhecida a existência da obrigação das empresas de reparar os danos morais e patrimoniais dos afetados, para que se viabilize o posterior ajuizamento de ação de cumprimento pelos interessados. As empresas também devem ressarcir todos os gastos públicos feitos com recursos humanos, materiais, logísticos e outros que se fizeram e venham a ser necessários em razão do rompimento da barragem de rejeitos de Fundão, feitos pelos entes públicos.

Poluidores e governos estaduais e União, firmaram acordo instituindo até mesmo um fundação, com o objetivo de reconstruir a bacia do Rio Doce e organizar a reparação dos danos – acordo impugnado pelo Ministério Público, que ajuizou ação.

De fato, há clara precipitação do Estado e dos poluidores, pois a sinergia dos impactos ambientais decorrentes do acidente parece ser maior que a dinâmica dos processos conciliatórios e judiciais.

O buraco encontra-se mais embaixo que a superfície do lamaçal… e os valores indenizatórios podem atingir a estratosfera.

Pelo princípio da responsabilidade objetiva, a relação do dano com o surto gerará novas indenizações aos poluidores. Como o fato é posterior às manobras, ás idas e vindas entre atores institucionais e defesa das mineradoras, o fato habilitará novos atores e até mesmo os governos municipais a buscarem avaliação mais acurada do dano.

A lama da Samarco, a conferir-se o quadro, transcendeu a própria bacia do Rio Doce e poderá atingir a saúde de populações no Estado do Rio, São Paulo, Espírito Santo, Bahia e, até mesmo, Goiás.

Pelo visto, todos ainda têm muito o que aprender com a lama da Samarco.

 

* Fontes de compilação:

http://www.sobiologia.com.br/conteudos/Agua/Agua12.php
http://www.gazetadopovo.com.br/saude/lixo-e-desmatamento-estao-entre-as-causas-ambientais-da-proliferacao-do-zika-732iu6h9rvpqljud3rc50z4ds
https://www.brasildefato.com.br/2017/01/14/surto-de-febre-amarela-pode-estar-ligado-a-tragedia-de-mariana-alerta-biologa/
http://www.em.com.br/app/noticia/gerais/2017/01/20/interna_gerais,841189/parques-estaduais-sao-fechados-em-minas-por-causa-do-surto-de-febre-am.shtml
http://www.theeagleview.com.br/2016/05/o-apressado-come-cru.html

bottom of page