WANDERLEY NOVATO
PRECURSORES DA CIÊNCIA DA ADMINISTRAÇÃO – IDEIAS E AUTORES
josé wanderley novato-silva
RESUMO:
Esse texto busca analisar brevemente algumas ideias e autores que antecederam o estabelecimento da Administração como uma ciência. Essas ideias são de matriz europeia, e surgiram à medida que o capitalismo se impunha e se aprimorava como modo de produção que substituiu o feudalismo. Simultaneamente, a partir do Renascimento, o racionalismo e a livre discussão de ideias iam substituindo a religião e a superstição como modo de compreensão da realidade, e, claro, esse movimento no mundo das ideias foi fundamental para o surgimento do pensamento científico em todos os campos do conhecimento – e a Administração foi, inclusive, um dos mais tardios nesse processo. Os precursores que serão mencionados a seguir, portanto, são de outras áreas da ciência, como a Economia e a Sociologia, mas também da Filosofia, que se afastava na época da especulação e da metafísica, aproximando-se mais do conhecimento científico.
1 INTRODUÇÃO: UM RESUMO DA HISTÓRIA DO CAPITALISMO INDUSTRIAL
Em primeiro lugar é preciso lembrar que desde a Antiguidade, outras fontes de inspiração para os empreendedores que iam surgindo e se afirmando na Europa após o fim da Idade Média também foram muito importantes. As principais foram:
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a organização do Estado (as monarquias, a administração de suas obras e finanças – incluindo arrecadação de impostos e emissão de moeda; a república romana e o Direito romano, as cidades-Estado e a democracia grega);
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as organizações militares (logística, estratégia, hierarquia e disciplina, principalmente);
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as organizações religiosas (com contribuições importantes também para as definições de hierarquia, áreas de abrangência, atribuição de responsabilidades e códigos de conduta).
A partir do fim da Idade Média, com o nascimento da fábrica uma nova organização do trabalho foi se estabelecendo paulatinamente (ver texto sobre o nascimento da fábrica), e o capitalismo comercial gerou uma forma específica de organização da economia, à medida que o poder dos reis se impunha a partir da sua associação com a próspera burguesia, fazendo entrar em decadência o poder da nobreza, que vinha do período medieval. Os Estados nacionais europeus surgiram (Portugal, França, Espanha...) e o mercantilismo coincidiu com a expansão marítima europeia no restante do mundo, gerando grandes empresas comerciais, como a Companhia das Índias Ocidentais – uma organização que existiu, poderosa, por muito tempo, com uma organização e estrutura bastante confusas, que incluía a participação do Estado, parceria com piratas e, progressivamente, escritórios administrativos e a adoção de registros contábeis.
O passo seguinte foi a Revolução industrial, que fez surgir um novo tipo de capitalista, e nascer uma nova classe social – a classe operária - que ajudou, com seus protestos e conquistas, a desenhar o novo tipo de organização e administração (como foi colocado em outro texto sobre a Revolução Industrial – não deixem de lê-lo!)
2 IDEIAS E AUTORES PRECURSORES DA ADMINISTRAÇÃO CIENTÍFICA
Partindo da Filosofia, é importante citar os filósofos empiristas, que criaram um corpo de ideias fundamentais para o desenvolvimento do conhecimento científico como um todo – e essas ideias são fundamentais particularmente para a Administração. O empirismo, como escola filosófica, nasceu na Inglaterra, e afirma que o conhecimento vem basicamente da experiência; é geralmente contraposta ao ‘racionalismo’, que afirma que o conhecimento vem do raciocínio lógico – mas essa é, na verdade, uma falsa oposição, porque as duas formas são conciliáveis e complementares. A discordância é basicamente sobre “de onde parte” o conhecimento. O empirismo é um componente fundamental do método científico, pois determina que todas as hipóteses e teorias devem ser testadas, através de observações e experimentos – mesmo se uma equação matemática “provar” anteriormente que algum conhecimento é verdadeiro.
No caso da Administração o empirismo é fundamental, porque a Administração é uma ciência social aplicada, sem “verdades” e sem “leis universais”: todo o conhecimento em Administração precisa ser testado. O fato de uma autoridade acadêmica afirmar que algo é verdadeiro não significa que seja verdadeiro em todas as situações, porque a Administração está sujeita a um sem número de variáveis internas e externas que podem fazer o “verdadeiro” falhar em várias situações.
As ideias dos empiristas ingleses foram fundamentais para o desenvolvimento da mentalidade científica, e representam bem o caráter inglês (a cultura do país) – voltado para a prática e para os resultados.
Um desenvolvimento posterior do pensamento empirista foi o pragmatismo – uma escola de pensamento que surgiu nos Estados Unidos, e que defende um aprimoramento ainda maior dessa ideia: a importância do conhecimento está associada aos seus desdobramentos práticos. Foi uma reação ainda mais forte contra qualquer pensamento meramente especulativo, na medida em que não contribuem para o progresso material da sociedade. É possível afirmar que a ênfase na prática é uma característica do pensamento administrativo contemporâneo, e também que esse tipo de pensamento possa priorizar o que “útil” acima de qualquer outra coisa. (Hoje em dia essa é uma discussão é válida para algumas formas de conhecimento acadêmico – poderemos discutir isso na aula) e até mesmo contra o pensamento religioso - que, na época, mantinha as pessoas em uma mentalidade “atrasada”. (Essa discussão também se aplica a algumas religiões no mundo de hoje, como o fundamentalismo islâmico).
Essa ênfase na prática e no utilitarismo pode ser associada ao tipo de capitalismo praticado e disseminado pelos Estados Unidos, avesso às reflexões, e voltado exageradamente para o bem-estar e o prazer gerados pelo consumismo desenfreado. A pergunta seria: são realmente apenas as coisas úteis que importam? E o que é útil, afinal? (Essa é uma boa discussão para a área de marketing).
Um precursor “maldito” das discussões no campo da Administração, vindo da área da Economia (embora seja reconhecido principalmente como filósofo) é Bernard Mandeville. Suas ideias são, de fato, em parte filosóficas, em parte econômicas. Ele escreveu um livro que o tornou famoso e polêmico: a Fábula das Abelhas, cuja ideia básica é de que todas as ações humanas, nascem diretamente das paixões, e principalmente do amor-próprio. Ou seja: o egoísmo está na base de tudo.
Mandeville concluiu que vários “pecados” são necessários para a prosperidade econômica – algo mais radical que o auto-interesse de Adam Smith, embora ambos acreditem que a ação dos indivíduos em prol do auto-interesse traz como consequência benefícios públicos. A diferença é que Adam Smith acreditava que todas as virtudes auto-interessadas dos indivíduos em uma sociedade gerariam uma cooperação ‘automática’ – o que foi chamado de “mão invisível” do mercado. Foi assim que Adam Smith afirmou que "não é da benevolência do padeiro, do açougueiro ou do cervejeiro que eu espero que saia o meu jantar, mas sim do empenho deles em promover seu auto-interesse".
Por isso Adam Smith acreditava que a iniciativa privada deveria agir livremente, com o mínimo de intervenção dos governos, A competição livre entre os diversos fornecedores levaria não só à queda do preço das mercadorias, mas também a constantes inovações tecnológicas, para diminuição do custo de produção e superação dos competidores. Mandeville foi mais direto: é a ganância pela riqueza que leva ao progresso econômico e social. No livro A fabula das abelhas ele mostra como a sociedade que possui todas as “virtudes cristãs”, como honestidade e generosidade, torna-se decadente e paralisada.
É possível afirmar que Mandeville antecipou as ideias de Adam Smith, assim como antecipou as ideias de alguns economistas franceses do mesmo período (a “fisiocracia”), que também achavam que o Estado deveria intervir pouco na Economia, afirmando isso com recomendações para o Estado do tipo: “deixe acontecer, não faça nada; o mundo gira sozinho”.
Ainda no terreno da Economia Política, Adam Smith foi o autor mais importante no que se refere aos impactos da sua obra para a Administração. Seu livro A Riqueza das Nações procura explicar as causas da riqueza, e por isso, dedica os capítulos iniciais para tratar da divisão do trabalho, antecipando as modernas discussões sobre produtividade e competitividade (internacional, inclusive – não apenas entre empresas).
Embora ele não tenha escrito nenhum “manual” de Administração, foi bastante assertivo ao descrever os benefícios da divisão do trabalho, ao afirmar que desde o início da história humana as pessoas procuram se especializar em determinadas atividades. Segundo ele essa especialização é fundamental para a geração do que chamou de ‘excedentes produtivos’ - que podem então ser negociados no mercado. A especialização em determinadas ocupações vai levar à divisão do trabalho; a especialização vai levar também ao aprimoramento da produção – ou seja, inicia-se aqui a discussão teórica sobre a importância da qualidade. Adam Smith visualizou, portanto, as inúmeras vantagens na divisão do trabalho; o aumento da destreza do operário, a economia de tempo, e por último, a invenção de máquinas que facilitem a realização do trabalho (como foi colocado no livro O Nascimento da fábrica, e nos comentários que escrevi sobre ele). A introdução crescente de tecnologia se dava à medida que o mercado se expandia, fazendo surgir a necessidade do aumento da produção - e as máquinas para fabricação de grandes volumes de mercadorias eram incompatíveis com o trabalho no sistema doméstico (o “putting-out system” – ver o livro O Nascimento da Fábrica). Um texto que resume as principais relexões de Adam Smith sobre a divisão do trabalho está presente no CANVAS.
Outros precursores (já mencionados no texto sobre a Revolução Industrial) foram os chamados ‘socialistas utópicos’. Eram, em sua maioria, empresários ou pensadores preocupados com as péssimas condições de trabalho na Europa no período que vai final do século XVIII até o século XIX; (Condições assim permanecem em vários lugares do mundo até hoje em dia – e o governo de vários países são acusados de conivência com indústrias que mantêm seus trabalhadores em situações similares). O adjetivo “utópico” foi dado pela corrente marxista do socialismo, que dizia que essas ideias eram apenas ‘boas intenções’.
Robert Owen talvez tenha sido, entre os ‘utópicos’, o mais bem sucedido, porque como empresário e administrador, teve a oportunidade de observar as duras condições do trabalho fabril na época – sem legislação trabalhista e, na maior parte dos casos, sem qualquer tipo de organização que pudesse coordenar os protestos, visto que não apenas os sindicatos eram proibidos, mas era proibida qualquer tentativa de reunião ou manifestação dos operários. Contrário a esse estado de coisas, ele idealizou a criação de cooperativas que negassem o individualismo e a lógica egoísta das empresas capitalistas. Na sua fábrica de New Lanark, a jornada de trabalho foi sendo reduzida, os salários foram aumentados, e ele construiu as primeiras vilas de moradia para as famílias operárias.
Charles Fourier imaginou criar o que chamou de ‘falanstérios’, que eram pequenas unidades sociais abrangendo entre 1000 e 2000 pessoas vivendo em comunidade, ao redor das unidades produtivas – mas nunca conseguiu parceiros ou financiamento para suas ideias. Outros “livre-pensadores” como Saint-Simon e Proudhon escreveram sobre os ideais de liberdade, igualdade e solidariedade, e por isso são geralmente classificados também como ‘socialistas utópicos’. Embora suas ideias tenham causado impacto na política e alterado a consciência de muitas pessoas sobre o problema das condições de trabalho, seu impacto na administração das empresas foi bastante indireto.
De qualquer forma são ideias que estão no meio do caminho entre a filantropia/paternalismo e o conceito contemporâneo de responsabilidade social, antecipando também ideias como a administração participativa, o cooperativismo, as preocupações com o ambiente de trabalho e com o bem-estar dos trabalhadores, incluindo condições higiênicas e sanitárias, conforto nas moradias etc.
O próprio Karl Marx – crítico da forma de organização do trabalho e do que chamou de “trabalho alienado” pode ser considerado um precursor dos direitos trabalhistas que foram sendo progressivamente incluídos na legislação, graças à luta sindical e aos partidos trabalhistas, e fazem parte da Administração de empresas europeias (particularmente em países onde a social-democracia teve sucesso após a Segunda Guerra Mundial, como Alemanha, França e países escandinavos).
Cabe, finalmente, lembrar que o campo das Ciências Sociais como um todo foi sendo preparado, além dos economistas, por sociólogos. Durkheim ofereceu uma contribuição importante ao afirmar a necessidade de ‘objetividade’ nos estudos sobre a sociedade. No pensamento administrativo isso é muito importante; é muito comum que em contextos não acadêmicos as ‘opiniões pessoais’ sejam mais valorizadas que o conhecimento científico. Durkheim foi categórico: a Sociologia, segundo ele, estuda “fatos sociais”, e a sociedade deve ser tratada como uma “coisa”. Essa é uma reflexão que teve consequências tanto para a prática administrativa quanto para a pesquisa em Administração. Veremos como o taylorismo radicalizou essa ideia e trouxe-a para o contexto da gestão, medindo espaços e o tempo, sem preocupações com as opiniões pessoais dos envolvidos.
Outras ideias que foram importantes para a consolidação da Administração como ciência vieram da Psicologia Industrial (no final do século XIX e no início do século XX já havia psicólogos preocupados com essas questões – menos preocupados com a saúde mental dos trabalhadores, e mais com o aumento da produtividade). Além disso vale lembrar os estudos sobre o poder e a autoridade, do sociólogo Max Weber, que geraram as principais reflexões sobre a burocracia, e seus desdobramentos no mundo de hoje. (Não vou escrever mais sobre isso porque esses tópicos serão estudados posteriormente, ainda neste semestre!).