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Falta de planejamento em políticas públicas prejudica gestão ambiental

Em 2011, com a aprovação da Lei Complementar 140, houve uma grande modificação nas atribuições dos órgãos ambientais brasileiros. A lei prevê a descentralização da gestão ambiental pública, dividindo responsabilidades entre entes municipais, estaduais e federais. Segundo a analista ambiental Aline Carmo, que trabalha no Ibama (Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis) desde 2002, essa configuração já estava presente desde a Constituição Federal de 1988 – embora não fosse observada na prática –, e é positiva. “O problema é que, como tudo no Brasil, as coisas são feitas sem planejamento, na base da canetada. Então tem seus prós e contras”, afirma.

Aline finalizou este ano sua tese de doutorado no Instituto Oceanográfico (IO) da USP. No estudo, iniciado ainda em 2010, ela buscou compreender como as novas legislações moldaram a gestão ambiental em áreas costeiras e marinhas do Brasil. A analista diz que a região costeira tem inúmeras peculiaridades, tanto na questão natural quanto social. “É um espaço restrito em que encontramos ecossistemas complexos e frágeis, comunidades tradicionais e várias atividades econômicas que compactuam, algumas delas de alto impacto ambiental, como portos e extração de petróleo”.

Focada nesses grandes empreendimentos, Aline se debruçou sobre o mecanismo por meio do qual o Ibama permite, ou não, que eles aconteçam: a Avaliação de Impactos Ambientais (AIA). Ela consiste em uma série de estudos e negociações entre a empresa e o órgão ambiental, com o objetivo de prever possíveis danos ao meio ambiente e analisar a viabilidade da atividade, estabelecendo medidas mitigatórias ou compensatórias para as consequências ambientais.

“A empresa geralmente contrata uma consultoria especializada para realizar o Estudo de Impacto Ambiental (EIA), que então será submetido a analistas técnicos do Ibama. Depois, dependendo do caso, pode-se fazer um resumo das análises, o Rima (Relatório de Impactos sobre o Meio Ambiente), que tem uma linguagem mais acessível e será apresentado à população em audiências públicas. Por fim, o Ibama pesa todos esses pontos e dá, ou não, a licença para o empreendimento”, explica Aline. 

No estudo de 12 processos de licenciamento ambiental para sua tese, a analista ambiental pôde observar uma série de problemas nesse mecanismo. Vários deles são, segundo ela, fruto de pressões políticas, sejam de forma velada ou evidentes. “Muitas vezes os prazos para o parecer técnico sobre o EIA são exíguos, não permitem que as análises sejam feitas com o nível de detalhamento necessário. Num caso mais claro, após o parecer técnico do Ibama considerar um empreendimento inviável, a empresa foi ao Ministério do Meio Ambiente e, lá, conseguiu outro parecer, permitindo a licença”, relata.

Aline também destaca que, embora os processos sejam públicos, não é fácil ter acesso a eles, o que fez com que ela tivesse que se deslocar a Brasília, Rio de Janeiro e Aracaju, onde eles se localizavam. A “falta de diálogo político” se reflete no planejamento das políticas públicas. “As legislações não conversam entre si. O Plano Nacional de Mudanças Climáticas não é considerado na AIA. Órgãos municipais, que agora têm mais voz nas decisões graças à descentralização promovida pela Lei Complementar 140/11, muitas vezes não têm estrutura para lidar com a responsabilidade”, lamenta. 

Apesar dos problemas, Aline acredita que se evoluiu muito na gestão ambiental nas últimas décadas. Um dos maiores avanços citados por ela é o início de uma cultura de participação popular. “A AIA inaugurou no Brasil as audiências públicas. Embora elas aconteçam só no final do processo de licenciamento e não tenham efeito decisivo (nem sempre os anseios populares são levados em conta), pelo menos a população está sendo ouvida de alguma forma agora”.

Durante sua pesquisa, Aline viajou para a França, onde há forte cultura de engajamento da população, e pôde fazer uma comparação com situação do Brasil. “Precisamos de mais mecanismos de participação popular, incluir a comunidade mais cedo no debate, e diminuir a assimetria entre o poder do empreendedor e o das pessoas. Por outro lado, precisamos também criar essa cultura de ocupar os espaços, nossa democracia ainda é muito jovem”.

Ao justificar a importância do engajamento popular, a pesquisadora cita o processo do porto de São Sebastião analisado por ela. “O projeto teve sua licença cassada no Ministério Público, pois a população e a academia locais foram muito atuantes em todo o processo. Quando o empreendimento é mais isolado e não há fiscalização nem cobrança popular, ele pode seguir, mesmo com irregularidades. A participação popular pode mudar os rumos de um licenciamento ambiental”. Este foi o único processo estudado por Aline a ser cassado, embora todos os demais também apresentassem problemas.

https://paineira.usp.br/aun/index.php/2017/03/30/falta-de-planejamento-em-politicas-publicas-prejudica-gestao-ambiental/

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