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VOLVO: O CAMINHO DA FLEXIBILIDADE CRIATIVA

Extraído de Thomaz Wood, Jr., FORDISMO, TOYOTISMO E VOLVISMO: OS CAMINHOS DA INDUSTRIA EM BUSCA DO TEMPO PERDIDO. Revista de Administração de Empresas, FGV, São Paulo.

Apesar do seu grande porte - responde por grande parte do produto nacional bruto e das exportações suecas - a Volvo tem-se caracterizado por um alto grau de experimentalismo. Seus experimentos, se assim os podemos denominar, chamam a atenção por desafiarem os princípios fordistas e toyotistas, embora muitas vezes sejam confundidos com um simples retorno à produção manual.

A introdução gradativa de inovações tecnológicas e conceituais nas plantas de Kalmar, 1974, Torslanda, 1980/81, e Uddevalla, 1989,representam um valioso campo empírico para a análise organizacional.

Uddevalla combina flexibilidade funcional na organização do trabalho com um alto grau de automação e informatização. É também um excelente exemplo do conceito de produção diversificada de qualidade. Sua estratégia parece combinar os requisitos e demandas do mercado, os aspectos tecnológicos, os imperativos do dinâmico processo de transformação da organização do trabalho e as instáveis condições da reestruturação da indústria. Operando num mercado de trabalho complexo, a Volvo adequou sua estratégia a dois fatores fundamentais: a internacionalização da produção e a democratização da vida no trabalho. Uddevalla foi concebida e construída levando em consideração a presença humana. O nível de ruído é baixo, a ergonomia está presente em todos os detalhes e o ar é respirável.

Um armazém de materiais, no centro da fábrica, alimenta seis oficinas de montagem totalmente independentes. A capacidade de produção é de 40.000 carros por ano, para um único turno de trabalho. A planta combina centralização e automação do sistema de manuseio de materiais, com a utilização de mão-de-obra altamente especializada num sistema totalmente informatizado e de tecnologia flexível. A organização do trabalho é baseada em grupos. Os operários foram transformados de montadores de partes em construtores de veículos. Assim, cada grupo consegue montar um carro completo num ciclo de duas horas.

Altas taxas de turnover, absenteísmo crônico e utilização de mão-de-obra estrangeira são de muito tempo marcas do mercado de trabalho sueco. Desde a metade dos anos 80, os jovens suecos passaram a rejeitar empregos que refletissem conceitos tayloristas. Isto está ligado não só aos constantes esforços de reestruturação do trabalho como ao fato de a Suécia ter o mais alto índice de uso de robôs entre todos os países industrializados. Por outro lado, o país tem uma longa tradição socialdemocrata e os sindicatos têm posição extremamente forte. Assim, o processo de inovações na Volvo tem sido dirigido pela empresa, mas com participação ou acordo dos sindicatos.

Na década de 1970, o aumento da competitividade dos produtores a nível mundial, a necessidade de maior variedade de modelos para atender o mercado e a crescente pressão da mão-de-obra potencializaram a racionalização da produção de veículos baseada em automação e flexibilidade. Nos anos 80, estas tendências foram acentuadas e acrescidas de maiores exigências relacionadas à qualidade dos produtos. A rigidez e limitações das linhas de montagem ficaram expostas. Na Volvo, o caminho em direção à automação e ao aumento da flexibilidade ocorreu num cenário de compromisso com os conceitos de grupo autônomo de trabalho e enriquecimento das funções.

Uddevalla situa-se numa região em processo de declínio econômico. O governo sueco ofereceu ajuda financeira à Volvo para que sua nova planta fosse ali localizada. O sindicato foi envolvido desde o início, participando dos grupos de definição e projeto. De partida, foram estabelecidas quatro condições para a planta": • a montagem deveria ser estacionária; • os ciclos de trabalho deveriam ter no máximo 20 minutos; • as máquinas não poderiam fixar o ritmo; e • a montagem não deveria exceder 60% do tempo total de trabalho dos operários. O projeto atendeu todos os pedidos do sindicato exceto o último. Uma observação importante é que o gerenciamento da Volvo se dividia, em relação ao projeto de Uddevalla, entre "inovadores" e "tradicionalistas". Os sindicatos alteraram o balanço em favor dos "inovadores". Esta posição comprometeu-os ainda mais com o sucesso do projeto.

A planta iniciou suas operações na primavera de 1988 e ficou totalmente operacional, com cerca de mil empregados, no final de 1989. Está dividida em três áreas: oficinas de materiais, oficinas de montagem e prédio administrativo. Todo o transporte de materiais é automatizado. Em cada uma das seis oficinas de montagem trabalham 80 a 100 operários divididos em grupos de oito a dez, sob a supervisão de um único gerente. Cada grupo tem todos os elementos para montar três veículos simultaneamente. As tarefas são distribuídas de acordo com as competências, que são constantemente aperfeiçoadas. O planejamento dos recursos humanos é parte integral da estratégia de produção.

O objetivo da Volvo é projetar um trabalho tão ergonomicamente perfeito, que tome os operários mais saudáveis. Além desses aspectos, existe toda uma infra-estrutura de apoio. Cada grupo de trabalho possui salas espaçosas equipadas com cozinha, banheiro, chuveiros e um computador. A planta é iluminada com luz natural e os ambientes são extremamente limpos. Antes de iniciar o trabalho, cada novo operário passa por um período de treinamento de quatro meses seguidos posteriormente de mais três períodos de aperfeiçoamento. Espera-se que, ao final de dezesseis meses, ele seja capaz de montar totalmente um automóvel. Uma característica interessante é que 45% da mão-de-obra é feminina, o que é causa e consequência de várias alterações no sistema de produção. O objetivo de tudo isto é, obviamente, aumentar a produtividade, reduzir custos e produzir com a mais alta qualidade.

A Volvo, especialmente na planta de Uddevalla, combinou aspectos da produção manual com alto grau de automação. Isto permitiu imensa flexibilidade tanto de produto quanto de processo. Complementarmente, a reprofissionalização dos operários ajustou-se à necessidade de enfrentar a demanda por produtos variados, competitivos e de alta qualidade. A combinação de alta tecnologia com um criativo projeto sociotécnico também possibilitou uma redução da intensidade de capital. Além de provar-se uma alternativa economicamente viável, Uddevalla provou que isto é possível de se atingir através de uma organização flexível e criativa.

 

 

 

EM BUSCA DOS ANTECEDENTES DO MODELO FLEXÍVEL ADOTADO PELA VOLVO:

A ABORDAGEM SOCIOTÉCNICA E A ‘QUARTA GERAÇÃO DA RACIONALIZAÇÃO DO TRABALHO’

Extraído de: O VOLVISMO E A ORGANIZAÇÃO DO TRABALHO INDUSTRIAL NA SUÉCIA: REFLEXÕES SOBRE A RACIONALIZAÇÃO DO TRABALHO

APOLINÁRIO, Valdênia. REVISTA DE ECONOMIA REGIONAL, URBANA E DO TRABALHO - Volume 04 | Nº 02| 2015

 

(...) Assim, a experiência da empresa Volvo (Suécia) responde, em grande medida, pelo reconhecimento da visão da empresa como um cérebro e que forja o „homem reflexivo‟ – uma possibilidade de reinvenção do ser que trabalha, nesta fase da modernidade. Sobre estas categorias, ainda que não sejam objeto do presente estudo, merecem destaque as contribuições de Anthony Giddens. Giddens observa que a reflexividade também caracteriza a radicalização da modernidade. Em outras palavras, a reflexividade moderna deve ser lida como uma maior autonomia dos sujeitos, reflexidade essa propiciada e, ao mesmo tempo, exigida pela sociedade atual. (PAIXÃO ET AL., 2004, p. 94). Com o advento da modernidade, a reflexividade assume um caráter diferente. Ela é introduzida na própria base de reprodução do sistema.

[...] A reflexividade da vida social moderna consiste no fato de que as práticas sociais são constantemente examinadas e reformadas à luz de informação renovada sobre estas próprias práticas, alterando assim constitutivamente seu caráter. (GIDDENS, 1991, p. 45 apud PAIXÃO ET AL., 2004, p. 95).

No modelo fordista a organização é vista de forma mecanicista, ou seja, como uma máquina. Assim, a produção em massa engendra o homem operacional, um trabalhador passivo, rotinizável, programável, motivado por recompensas, isolado. Neste ambiente não há espaço para qualquer criatividade. O toyotismo faz emergir homem reativo. Trata-se de um trabalhador mais complexo, sofisticado, integrado ao ambiente e “possui visão global do processo, mas decisão limitada”. Este ambiente organizacional é flexível, vivo e aprende constantemente. (RAMOS, 2001 apud BUENO E OLIVEIRA, 2009, p. 11).

Contudo, a despeito do modelo toyotista também ser flexível, o tipo de homem que o sistema sociotécnico de produção da Volvo enseja é o “último tipo de homem criado nos sistemas produtivos modernos - o Homem reflexivo” (BUENO e OLIVEIRA, 2009, p. 11).

Surge então no sistema sociotécnico de produção da Volvo Company o último tipo de homem criado nos sistemas produtivos modernos -o Homem reflexivo. Este homem é caracterizado em uma organização do tipo cérebro, possui uma consciência ou capacidade crítica-analítica bastante desenvolvida em relação a sua existência e aos fatores relacionados, possui poder de voto, é sujeito ativo no processo de produção a partir do momento que tem voz sobre as decisões de seu grupo e é polivalente em várias funções, o homem reflexivo é informado, possui bom nível de educação e alto poder de aprendizado, resultando em crescimento individual. [...] o objetivo é dar a organização o máximo de flexibilidade e capacidade de inovação.

Conforme Valle (1997) apud Valle, Paiva e Coelho Junior (2002), as diferentes formas de racionalização do trabalho no século XX podem ser identificadas como „gerações‟. Neste sentido, a primeira fase de racionalização do trabalho pode ser representada pelo taylorismo-fordismo. Na segunda fase surge a Escola de Relações Humanas, que posteriormente evolui para a Escola Sociotécnica. O modelo japonês é interpretado como representante da terceira geração da racionalização do trabalho. Sobre estes modelos e a emergência de uma „quarta fase de racionalização do trabalho‟ o autor reitera que a busca por maior produtividade, automação crescente e novas práticas organizacionais tornam a execução do trabalho muito mais complexa, pois cada vez mais o trabalho é:

[...] levado a intervir de forma muito menos previsível (VALLE, 1997; ZARIFIAN, 1999) em suas atividades diárias, necessitando de qualificações mais amplas no sentido de uma “intelectualização da produção” (VALLE, 1996:59).

Embora pareça ser um retorno ao que já havia sido reivindicado através da Escola Sociotécnica, há uma considerável modificação nesta nova racionalidade do trabalho, que deve ser entendida também à luz de mudanças em toda a cadeia de produção (o que denominou-se de racionalização da cadeia produtiva), tratando-se de uma quarta fase de racionalização do trabalho.

[...] Impulsionadas por novos padrões de concorrência, as empresas capitalistas são levadas a administrar a cadeia produtiva de forma diferente. A tendência atual é que se posicionem distintamente, ora como fornecedoras ora como clientes, junto às unidades de negócio. Neste caso, o que se estabelece é uma mútua concorrência desde os fornecedores até as unidades de negócio (PIRES, 2002). Estas empresas passam a gerir a sua cadeia de produção, estabelecendo novos contratos com fornecedores na busca por vantagens competitivas, pela redução de seus custos de produção e pela agregação de valor a seus produtos. (VALLE,1997 APUD VALLE, PAIVA E COELHO JUNIOR, 2002, p. 2-3)

Logo, admitindo este raciocínio, a fase de racionalização em que o volvismo está imerso, reivindica uma maior intelectualização do trabalho, e neste sentido se aproxima da Escola Sociotécnica. Todavia, vai bem mais além, pois atinge também e racionaliza a cadeia produtiva.

Com base em Lipietz (1997, p. 46) e tendo em mente os países capitalistas avançados, as experiências em unidades produtivas na Suécia, particularmente em Kalmar, representam o mais expressivo nível de „implicação negociada‟ na relação capital-trabalho.

O VOLVISMO E A ORGANIZAÇÃO DO TRABALHO NA SUÉCIA

O “modelo sueco” ou „volvismo‟ se refere a uma “série de inovações quanto à organização do trabalho” introduzidas em unidades da empresa Volvo nas décadas de 1970 e 1990, na Suécia. Este “modelo” desafia os princípios tayloristas/fordistas, ao mesmo tempo em que pode ser entendido como uma alternativa ao modelo japonês (LARANJEIRA, 1997 apud CATTANI, 1997, p. 285).

 A principal diferença em relação aos demais modelos consiste no maior grau de participação dos trabalhadores durante o processo de produção . Entretanto, alguns autores afirmam que o volvismo não pode ser visualizado sem que se compreenda a particularidade da sociedade sueca. Neste sentido, é possível admitir que o mundo da vida e o mundo da produção claramente se interpenetram.

O Volvismo surgiu como resultado de várias inovações conjuntamente postas em prática, com a particularidade da participação constante dos trabalhadores. As exigências do mercado competitivo forjaram melhorias, mas o que fez a diferença no caso da Volvo foi claramente características particulares da sociedade sueca. Além dos sindicatos fortes, o auto grau de automação das fábricas faz com que há tempos os jovens rejeitem a serem vistos como “acessórios das máquinas”, como seriam vistos no taylorismo.

No Volvismo há um grande investimento no trabalhador em treinamentos e aperfeiçoamento, no sentido que esse consiga produzir por completo um veículo em todas as etapas, além de valorizar a criatividade e o trabalho coletivo e a preocupação da empresa com o bem estar do funcionário, bem como sua saúde física e mental.)

Neste sentido, é possível admitir que o mundo da vida e o mundo da produção claramente se interpenetram. Importa destacar que a despeito de meritórios esforços visando contemplar, de forma flexível, também as necessidades dos trabalhadores, a empresa Volvo se mantém dentro dos limites e objetivos da produção capitalista, ou seja, obter resultados (leia-se: lucros). A afirmação que segue é emblemática: O objetivo de tudo isto é, obviamente, aumentar a produtividade, reduzir custos e produzir com a mais alta qualidade.

AS PRINCIPAIS EXPERIÊNCIAS DE ORGANIZAÇÃO FLEXÍVEL DA VOLVO

As principais experiências de organização flexível da Volvo em unidades localizadas em Kalmar, Torslanda e Uddevalla. A unidade Volvo na cidade de Kalmar-Suécia implementou variadas formas de trabalho participativo. Segundo Silva et al. (1999), em Kalmar a técnica foi repensada a partir das necessidades das pessoas: Na Europa a fábrica de Kalmar é, provavelmente, o primeiro exemplo de uma fábrica onde foi a técnica que teve que se adaptar às necessidades das pessoas e não as pessoas às pressões da técnica. Uma tal inversão de preocupações necessitou de uma criatividade tecnológica muito importante. Não se tratou, de forma alguma, de simplificar a tecnologia, mas de repensá-la inteiramente, a serviço do homem – que, assim, já não a serve, como se dizia, mas dela se serve no local de trabalho. (ORTSMAN, 1978, p. 264 APUD SILVA ET AL., 1999, p. 12)

A unidade de Kalmar introduziu variadas inovações: a arquitetura do prédio foi concebida para facilitar o trabalho em equipes; o transporte das peças passou a ser realizado via veículos automatizados, planejados para substituírem a tradicional linha de montagem; houve uma preocupação com a melhoria das condições de trabalho; foi realizada uma adaptação do trabalho às condições fisiológicas e psicológicas humanas (ergonomia); ocorreu incentivo à autonomia e intervenção dos trabalhadores; foram buscadas formas de livrar o trabalhador do ritmo mecânico das máquinas, a partir, por exemplo, do enriquecendo tarefas (aumento do ciclo de trabalho), ou ainda, reintegrando tarefas fragmentadas.

As inovações na unidade de Uddevalla, por sua vez, permitiram combinar elevada qualidade dos produtos com alta produtividade. Além do que foram formadas equipes de trabalhadores autônomos, altamente qualificados, com expressiva participação no planejamento da produção. A fábrica foi dividida em 06 plantas autônomas e paralelas, onde cada planta respondia por 1/6 da produção total. Cada planta também dispunha de 08 equipes, com 08 a 10 trabalhadores. Estes montavam e testavam um carro em sua totalidade. Além disto, cada trabalhador construía 1/4 de cada carro, a partir de rotações de tarefas, o que pressupunha o domínio da totalidade do processo. Quanto às peças, estas eram transportadas por veículos automatizados até as equipes e por solicitação dessas, via computador. Com relação ao treinamento, este ocorria no próprio trabalho (“on the job”), reproduzindo a relação artesão-aprendiz e valorizando a comunicação não formal (transferência de “dicas/macetes”).

No tocante à hierarquia, esta ocorria a partir de apenas três níveis “trabalhadores, gerentes de oficina e gerentes de planta”. (LARANJEIRA, 1997 apud CATTANI, 1997, p. 287).

Tal análise também é corroborada por Bondarik e Pilatti (2010), que afirmam: Sua implantação foi precedida de um amplo debate e estudos conjuntos entre o Grupo Volvo, Governo da Suécia e setores organizados da sociedade, com participação especial dos sindicatos. O sistema que resultou desse processo dava maior importância ao ser humano do que os outros sistemas desenvolvidos durante o século XX, como os de Ford e Toyota. (BONDARIK E PILATTI, 2010, p. 1)

 

Os principais aspectos da experiência dos Grupos semi-autônomos (GSA) na Suécia:

1.Decisão - O grupo toma decisões dentro da sua área, não interferindo nas dos demais;

2.Responsabilidade - Cada grupo é coletivamente responsável pelas tarefas atribuídas;

3.Contato - Chefias diretas substituídas por um elemento de contato do grupo, eleito por este;

4.Distribuição - A distribuição do trabalho, a supervisão decidida pelo grupo;

5.Cooperação - O grupo deve cooperar em todas as direções;

6.Apoio Exterior - O grupo define a rotação de tarefas dos membros, desenvolve métodos de produção, podendo solicitar ajuda aos técnicos;

7. Hierarquia - (I) Consulta ao diretor se: (i) os planos aprovados correrem não forem cumpridos; (ii) houver sérias perturbações, dentre outros 8. Hierarquia (II) Se o grupo não for capaz de resolver os conflitos internos, qualquer membro pode acessar o sindicato e/ou o diretor de produção (FONTE: Adaptado de GARDEL,1983, p. 364 apud GRAÇA, 2002, p. 164).

Os Grupos Semiautônomos, implementados pelo volvismo, diferentemente de outros modelos, aumentaram a autonomia e poder de decisão dos trabalhadores, desenvolveram as competências específicas destes e envolvem os seus sindicatos. Tudo isto exibe um nível muito mais elevado de democratização e autonomia do que no modelo toyotista.

PERCALÇOS E CRÍTICAS AO VOLVISMO

Em 1977, três anos após a sua criação (em 1974), o volume de produção em Kalmar foi considerado insatisfatório e foram introduzidas medidas de racionalização. A implementação destas medidas eliminou os tempos ociosos, impuseram maior controle do supervisor; os grupos deixaram de desenvolver o trabalho independente; ocorreu o fim do direito do grupo decidir sobre a distribuição das tarefas, licenças, férias; o salário deixou de ter relação com o trabalho em equipe e foi implementado o fim das compensações pelo aumento das responsabilidades. A planta de Uddevalla foi fechada em 1993 e a de Kalmar em 1994.

Considerando-se o alto desempenho dessas plantas em termos de qualidade e de produtividade, restaria a questão de se saberem as razões para seu fechamento. A explicação oficial da gerência é que as dificuldades de mercado teriam ocasionado uma perda de aproximadamente US$ 350.000 ao grupo Volvo. (LARANGEIRA, 1997 apud CATTANNI, 1997, p. 287-288)

Dentre os argumentos que justificam o fechamento destas unidades encontra-se o projeto de „deslocalização‟ da Volvo para outras nações, o que implicava em agressiva concorrência com as suas congêneres no mundo (Ex: Ford, GM), e exigia esforço de racionalização. Além do mais, a histórica taxa de desemprego sueca inferior a 2%, desde os anos 1930 com os sociais-democratas, chega a 10% em 1993, com os monetaristas no poder, portanto predominava uma conjuntura desfavorável a benefícios aos trabalhadores.

A despeito disto, em 1996 a fábrica de Uddevalla é reaberta, já de controle acionista britânico (51%), mas ainda com certa cultura sociotécnica: chefes de equipes escolhidos por operários, atenção às recomendações sindicais, prioridade à ergonomia, dentre outros. (NUNES et al., 2009) Quanto ao modelo em si, Martorelli Luz (2010, p.15) argumenta que, assim como no toyotismo, também no volvismo o “controle direto foi mascarado em função da ausência da autoridade hierárquica”, pois “cada um passa a exercer o controle sobre o trabalho do outro [...] fazendo com que a ideologia da divisão do trabalho fique mascarada, dando lugar a falsa consciência”, de “autonomia para planejar e executar tarefas relativas ao processo de trabalho”, e ainda, “a ilusão de que ele (trabalhador) toma decisões”. Outros autores afirmam ainda que experiências como a de Kalmar representam um taylorismo flexível (BERGGREN, 1989 apud CATTANI, 1997, p. 287), ao combinarem o trabalho em equipe com formas tradicionais da organização do trabalho.  

CONSIDERAÇÕES FINAIS

O estudo demonstra que são diversos os caminhos de elevação da eficácia a partir da organização do trabalho e da produção, sendo o volvismo o modelo que, de forma mais acentuada, combina quesitos tecnológicos, sociais e do meio ambiente de trabalho. Avalia-se ainda que o volvismo expressa, no nível micro, o mais significativo esforço visando uma maior reflexividade e implicação negociada na relação capital trabalho, sendo esta uma das principais contribuições da Volvo em Kalmar e Uddevalla.

De outra parte, admite-se que a acumulação flexível praticada nas unidades da empresa Volvo (Suécia) está envolta numa „quarta fase das gerações das racionalizações do trabalho‟ nascida no século XX. Também é possível afirmar que esta fase, além de reivindicar elevados níveis de reflexividade do trabalho, ao mesmo tempo ocorre numa fase igualmente mais complexa da reestruturação produtiva do capital, pois ultrapassa os limites das empresas e se insere num metabolismo social que admite ser o produtivismo, uma espécie de „novo consenso‟.

Assim, reconhece-se que as experiências da Volvo supramencionadas se encontram, de fato, muito além do seu tempo e inseriram princípios novos relacionados ao mundo do trabalho sem, contudo eliminar o controle final dos resultados da produção sob o comando do capital.

E, neste sentido, se posto em prática em países onde, diferentemente da Suécia, o contrato social sempre foi muito frágil (Ex: América Latina, Ásia), pode significar também um nível ainda mais sutil de adesão à acumulação privada.

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