WANDERLEY NOVATO
O que é um problema de pesquisa?
Em: https://oaprendizemsaude.wordpress.com/2015/03/18/o-que-e-um-problema-de-pesquisa/
Obs: Esse texto foi levemente ajustado para finalidade didática a que se destina. Basicamente isso aconteceu nos “exemplos”, que foram alterados para as Ciências Gerenciais; todos os trechos alterados foram colocados em itálico, e o autor abaixo identificado não tem qualquer ligação com essa alteração. Para ler o original clique no link acima. Mas o texto é tão bem escrito que mostra com perfeição como a lógica da pesquisa científica é similar em áreas tão diversas quanto a Medicina e a Administração. A própria epígrafe, a frase de um industrial norte-americano escolhida pelo autor, ilustra bem esse fato.
Maurício Abreu Pinto Peixoto
Doutor em Medicina, UFRJ
Núcleo de Tecnologia para a Saúde (NUTES - UFRJ)
“Os problemas são oportunidades em roupas de trabalho”
– Henry Kaiser citado em The Kaiser Story –
de Kaiser Industries Corporation
Definição de Problema
Toda pesquisa se inicia com algum tipo de problema ou indagação. Entretanto, ao se afirmar isto, torna-se conveniente esclarecer o significado desse termo. Uma acepção bastante corrente identifica problema com questão, o que dá margem a uma série de desencontros e equívocos sobre a natureza dos problemas verdadeiros e dos falsos problemas. Outra acepção identifica problema como algo que provoca desequilíbrio, mal-estar, constrangimento às pessoas. Contudo, na acepção científica, problema é qualquer situação não resolvida e que é objeto de discussão, em qualquer domínio do conhecimento.
Quando se trata de conceituar o que é um problema de pesquisa, é preciso levar em conta de antemão que nem todo problema é passível de tratamento científico. Isto significa que, para realizar uma pesquisa é necessário, em primeiro lugar, verificar se o problema cogitado se enquadra na categoria de científico.
Um problema é de natureza científica quando envolve variáveis que podem ser testadas, observadas, manipuladas.
Um problema de pesquisa pode ser determinado por razões de ordem prática ou de ordem intelectual.
São inúmeras as razões de ordem prática e intelectual que conduzem à formulação de problemas de pesquisa. Apenas com o objetivo de ilustrar o universo de possibilidades que pode se descortinar em relação a este tema, apresenta-se abaixo algumas definições e exemplos de problemas de ordem prática e de ordem intelectual.
Problemas de ordem prática
Direcionados para respostas que ajudem a subsidiar ações.
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Direcionados para a avaliação de certas ações ou programas. (Ex: campanhas de esclarecimento são ferramentas frequentes em saúde pública. Foi realizada uma determinada campanha sobre os perigos da dengue, mas não se sabe se e como ela foi eficaz).
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Direcionados a verificar as consequências de várias alternativas possíveis. (Ex.: Há argumentos a favor de um ensino de saúde que integre em diferentes momentos alunos de medicina, enfermagem e nutrição - além de outras possíveis áreas. Em alguns lugares isto já foi feito. Mas momento não se sabe ao certo quais os seus efeitos, riscos e benefícios em comparação com outras formas de ensino mais tradicionais. É preciso avaliá-los).
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Com vistas a planejar uma ação adequada. (Ex: Indústrias, ao par de seus benefícios, contribuem para a deterioração do meio ambiente. A Petrobrás está interessada em verificar em que medida a construção de uma planta de gasolina poderá concorrer para a deterioração ambiental de uma determinada área. Para isto realiza-se um estudo de impacto ambiental).
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É possível ainda considerar como problemas de interesse prático, embora mais próximos dos problemas de interesse intelectual, aqueles referentes a muitas pesquisas que são realizadas no âmbito dos cursos universitários de graduação. Esses problemas servem, normalmente, para um treinamento do aluno na elaboração de projetos de pesquisa.
Problemas de ordem intelectual
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Direcionados para a exploração de um objeto pouco conhecido. Exemplo: uso de redes sociais em escritórios de contabilidade.
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Direcionados para áreas já exploradas, com o objetivo de determinar com maior precisão e apuro as condições em que certos fenômenos ocorrem e como podem ser influenciados por outros. Ex: a terceirização costuma levar ao descompromisso por parte dos funcionários. Em que condições isso ocorre?
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Direcionados para a testagem de alguma teoria específica. Exemplo: o pesquisador, a partir de um grupo de funcionários, pretende verificar uma estratégia conhecida para aumentar o comprometimento.
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Direcionados para descrição de um determinado fenômeno. Ex: entender como se dá o processo de escolha da especialidade em alunos de Administração.
Como formular um problema de pesquisa
Formular um problema científico não constitui uma tarefa fácil e, por isso, o treinamento desempenha um papel fundamental nesse processo.
Por estar estreitamente vinculado ao processo criativo, a formulação de problemas não se faz mediante a observação de procedimentos rígidos e sistemáticos. Contudo, existem algumas condições que facilitam essa tarefa, tais como:
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Imersão sistemática no objeto;
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Estudo da literatura existente e discussão com pessoas que já tenham experiência prática no campo de estudo em questão.
A experiência acumulada dos pesquisadores possibilita ainda o desenvolvimento de certas regras práticas para a formulação de problemas científicos. Entretanto, vale ressaltar que, em alguns casos, o problema proposto não se adéqua a essas regras. Isto não significa, porém, que ele deva ser abandonado. Muitas vezes, o melhor será proceder à sua reformulação ou esclarecimento.
O problema deve ser formulado como pergunta
Esta é a maneira mais fácil e direta de formular um problema e contribui substancialmente para delimitarmos o que é o tema da pesquisa e o problema da pesquisa. Tomemos por exemplo uma pesquisa sobre a disciplina de Metodologia. Se eu disser que vou pesquisar sobre esta disciplina, pouco estarei dizendo (este é, provavelmente o meu tema). Mas, se propuser: “que fatores provocam o sono nas aulas de Metodologia?” ou “quais as características dos alunos que frequentam a disciplina de Metodologia?”, estarei efetivamente propondo problemas de pesquisa.
Mas chamo sua atenção para uma sutileza. A questão formulada não é o problema de pesquisa. É uma dedução do problema. Tecnicamente pode ser chamada de “Questão Norteadora“. Neste sentido é apenas um recurso heurístico que visa facilitar o seu pensamento. Você precisa antes problematizar. Isto é, o problema é construído sobre um contexto amplo de dados e raciocínios. É aí que você identificará situações obscuras, perguntas não respondidas, proposições contraditórias, etc. E é deste contexto que o problema aflora. Isto significa que não é correto sair à esmo fazendo perguntas. É necessário deduzi-las neste processo de problematização.
O problema deve ser claro e preciso
O problema não pode ser solucionado se não for apresentado de maneira clara e precisa. Com freqüência, problemas apresentados de forma desestruturada e com erros de formulação acarretam em dificuldades para resolvê-los.
Por exemplo, “como funciona a mente do gerente”?” Este problema está inadequadamente proposto porque não está claro a que se refere. Para solucionar o impasse, deve-se partir para uma das muitas e possíveis reformulações à pergunta inicial: “Que mecanismos psicológicos podem ser identificados no processo de tomada de decisão vivido pelo gerente?” etc.
Pode ocorrer também que algumas formulações apresentem termos definidos de forma não adequada, o que torna o problema carente de clareza. Seja, por exemplo, “A abelha possui inteligência?” A resposta a esta questão depende de como se define inteligência. Muitos problemas deste tipo não são passíveis de solução porque empregam termos retirados da linguagem cotidiana que, em muitos casos, são ambíguos.
O problema deve ter base empírica
Os problemas científicos devem basear-se em fatos. Isto é, devem primar pela objetividade. Cabe ao pesquisador tentar aproximar-se o máximo possível da realidade, sem que suas conclusões sejam distorcidas por valores, percepções pessoais e preconceitos. O pesquisador busca responder perguntas, achar soluções; e não comprovar opiniões pré-concebidas.
É bastante complexo investigar certos problemas que já trazem em si uma carga muito grande de juízos de valor. Por exemplo, “a mulher deve realizar tarefas tipicamente masculinas?” ou “é aceitável o casamento entre homossexuais?”. Estes problemas conduzem inevitavelmente a julgamentos morais e, consequentemente, a considerações subjetivas, invalidando os propósitos da investigação científica, que tem a objetividade como uma das mais importantes características.
Esta é uma tarefa muito simples quando estamos investigando rochas, por exemplo em geologia. Aqui é fácil separar o que é objetivo do que não é. Na biologia esta diferença é mais sutil, mas não chega a ser complexa em demasia. Nas Ciências Sociais em geral, e nas ciências gerenciais em particular isso pode ser um enorme problema.
O problema surge de forma marcante ao investigarmos fatos sociais. Aqui, valores, percepções pessoais e preconceitos são exatamente o objeto de pesquisa. Ainda mais, há grande identidade entre o pesquisador e o sujeito da pesquisa. Por isto, nestes casos, cabe ao pesquisador tomar precauções especiais para discriminar entre valores e percepções como objeto da pesquisa ou enviesamento de projeto. No primeiro caso estamos lidando com fatos sociais. Já no segundo nos afastamos da ciência.
O problema não deve ter base exclusivamente empírica
A teoria aqui importa muito. O pesquisador não está sozinho no mundo. O seu campo de pesquisa, de uma forma ou de outra, já existia antes da sua chegada e continuará existindo (de uma forma ou de outra), após a sua saída. Isto quer dizer que ele se situa em uma comunidade que se relaciona, entre outras formas, por meio do debate teórico. Além disto a teoria permite criar hipóteses, problemas e soluções. Permite ainda interpretar e dialogar com a realidade.
Por isto, o que quer que chamemos de “fato”, está imerso em um campo complexo de conceitos, proposições e relacionamentos. Assim é que, sem negarmos a importância do contato com a realidade, é por meio da teoria que construímos, identificamos e concluímos sobre a realidade.
O problema deve ser suscetível de solução
Um problema pode ser claro, preciso e referir-se a conceitos empíricos, mas se não for possível coletar os dados necessários à sua resolução, ele torna-se inviável. Por Exemplo, “ligando-se um disco rígido de um computador à memória de um homem, é possível realizar transferência de dados?” Esta pergunta só poderá ser respondida quando a tecnologia neurofisiológica progredir a ponto de possibilitar a obtenção de dados relevantes. Por isto, para formular adequadamente um problema é preciso ter o domínio da tecnologia adequada à sua solução.
O problema deve ser delimitado a uma dimensão viável
Em muitas pesquisas, o problema tende a ser formulado em termos muito amplos, requerendo algum tipo de delimitação. Por exemplo, “o que pensam os contadores?” Para começar, seria necessário delimitar o universo dos médicos: homens, mulheres; jovens, idosos; área de atuação etc. Seria necessário ainda delimitar o “que pensam”, já que isto envolve muitos aspectos, tais como: percepção, religião, sociais, econômicos, políticos, psicológicos, profissionais etc. Ainda mais seria necessário precisar o que pensam “sobre o que”.
A delimitação do problema guarda estreita relação com os meios disponíveis para investigação. Por exemplo, um pesquisador poderia pesquisar o que pensam os gerentes de marketing em Minas Gerais da sua profissão, mas não poderia pesquisar todos, e nem tudo o que estes profissionais pensam sobre todas as coisas.
E então, o que fazer?
Segue abaixo uma “receita de bolo”. Mas atenção! Desconfie de toda “receita de bolo” quando o resultado desejado não for um bolo. O que se segue é mera orientação, exageradamente simplificada. Isto pode te ajudar se você entendê-la como uma descrição geral e genérica do caminho para identificar um problema. Isto pode te prejudicar se você entender isto como uma descrição literal e restrita. Em resumo; observe os passos abaixo, mas seja crítico. Contextualize-os à sua realidade e converse com seus colegas e professores. Os passos abaixo são ponto de partida, não de chegada. Assim:
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Identifique uma área de seu interesse.
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Leia, estude e pratique bastante sobre ela.
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Após estas leituras (ou durante), busque perguntas sem resposta, áreas de sombra, temas polêmicos, perguntas que têm respostas contraditórias e ainda sub-áreas que parecem estar pouco desenvolvidas. Pergunte-se sobre a sua prática na área.
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Converse sobre isto com seu orientador e colegas.
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Se for o caso retome o passo 3.
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ESCREVA o problema. Faça-o de forma completa e gramaticalmente correta.
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Repita o passo 4.
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Se for o caso repita o passo 6.