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Cultura e Administração

josé wanderley novato-silva

O conceito de cultura organizacional é uma apropriação do conceito antropológico de cultura – o modo de existência de populações caracterizado pela língua, religião, costumes, indumentária, alimentação e relacionamentos – afetivos, familiares e profissionais, entre outras variáveis.

Vale notar que uma certa cultura pode incluir algumas subculturas – isto é, certas características podem não ser compartilhadas por todos os seus participantes, fazendo parte apenas da vida de certo grupo.

Hofstede fez um estudo clássico em que definiu certos traços culturais importantes por sua relação com o mundo do trabalho. O estudo de Hofstede é dicotômico: seus resultados classificam os países como: coletivista ou individualista; com distância hierárquica (pequena ou grande); com nível de controle da incerteza (baixo ou elevado); com tendência à feminilidade ou à masculinidade e como sendo um país onde prepondera a orientação a longo prazo ou a orientação a curto prazo. Vale notar que esses conceitos (individualismo/coletivismo e masculino/feminino) têm significados um pouco diferentes do que é comum na linguagem cotidiana.

Segundo esse estudo o Brasil o coletivismo é uma característica do Brasil. Sociedades mais coletivistas apontam para maior dependência emocional dos trabalhadores com a organização, ao passo que nas culturas individualistas os trabalhadores são mais independentes emocionalmente e mais calculistas. Para os individualistas, dizer o que pensa é sinônimo de sinceridade e honestidade, e por isso o conflito de ideias não é visto de forma agressiva. No Brasil a discordância não é bem vista.

O estudo mostra também que o Brasil é um país onde é grande a necessidade de se controlar a incerteza. Pessoas de países assim caracterizam-se por evitar conflitos no ambiente interno; temem o fracasso; têm grande resistência emocional à mudança, e compreendem que a lealdade ao empregador é uma virtude. Em contrapartida, nos países com baixo nível de controle da incerteza o conflito é visto como natural e é inclusive estimulado; a resistência emocional à mudança é baixa; e a lealdade ao empregador não é vista como virtude.

Quanto à concentração de poder, nos países latinos, em geral, é maior a diferença entre as pessoas que detêm menos poder e as que detêm mais, diferentemente dos países anglo-germânicos ou escandinavos, por exemplo. As organizações brasileiras apresentam uma enorme distância de poder; é um traço que acompanha a desigualdade na distribuição de renda nacional e o passado escravocrata. Tanure afirma que no Brasil a relação de desigualdade na relação pai/filho continua na relação professor/aluno e, mais tarde, no contexto profissional, na relação superior/subordinado (veja a referência no fim).

Quanto à masculinidade e feminilidade, Hofstede define que nas sociedades tidas como masculinas é mais comum que os homens estejam mais voltados para o trabalho externo, sendo duros, competitivos e voltados para o sucesso.

Os países mais femininos têm regras mais igualitárias para ambos os sexos, não existindo grandes expectativas de desempenho em função da diferença de sexo. Nesses países os homens tendem a ser menos competitivos e autoafirmativos, podendo ser também mais carinhosos, e os valores de proteção e generosidade estão impregnados tanto nos homens quanto nas mulheres. Como o bem-estar é mais valorizado que o sucesso material, nas organizações de países com baixo nível de masculinidade observa-se, entre outras coisas, que os trabalhadores preferem uma jornada de trabalho mais curta a maiores salários.

Enquanto alguns países como Japão e EUA são mais masculinos, segundo Hofstede, o Brasil está numa posição intermediária na escala, apresentando características e traços da sociedade feminina como traços da sociedade masculina. É um dado que mostra as diferenças internas do país.

Note-se que o grau de masculinidade ou de feminilidade não tem uma relação direta com o sexo. Tanto os homens quanto as mulheres têm papéis mais competitivos nos países masculinos e uma postura menos agressiva nos países feministas.

Quanto à orientação de longo prazo os estudos de Hofstede afirmam que este tipo de orientação cultural caracteriza-se por austeridade e perseverança, voltados para recompensas futuras, o que faz com que os países asiáticos se destaquem, como a China e o Japão. A orientação no curto prazo é marcada pelo respeito à tradição, pelo cumprimento de obrigações sociais, pela preservação da dignidade, pelo auto-respeito e prestígio, e pelo comportamento baseado no passado e no presente. O Brasil é, nesse quesito, um país muito voltado para o presente.

A dimensão temporal é uma orientação para a vida, mas importante para analisar a utilização do tempo nas organizações. Os países podem ser mais sincrônicos (as pessoas gostam de fazer muitas coisas ao mesmo tempo) ou diacrônicos (trabalham de forma sequencial).  Nos EUA, Canadá e Europa, a realização de uma tarefa de forma sequencial e contínua é vista como sinal de eficiência. Em culturas que desenvolvem o comportamento sincrônico, como o Brasil, o que interessa é conseguir realizar diversas tarefas ao mesmo tempo, e a atuação sequencial é vista, assim, como pouco eficiente – como desperdício de tempo. Isso tem um forte impacto no comportamento pessoal, o que também vai afetar o mundo do trabalho. Nas culturas sincrônicas, por exemplo, é comum que haja menor preocupação com a pontualidade. Como os envolvidos em um encontro geralmente realizam uma série de atividades ao mesmo tempo, o atraso não é entendido como um grande problema, visto que se ocupam enquanto esperam.

Estudos feitos no Brasil há algum tempo sobre a relação entre a cultura nacional e a cultura organizacional mostram algumas conclusões interessantes. Cabe lembrar que são estudos datados; é importante considerar que, embora certos traços culturais sejam difíceis de serem alterados, a cultura é um elemento dinâmico – ou seja, sempre muda.

Uma conclusão apresentada no livro O Estilo Brasileiro de Administrar (ver referências no fim do texto) mostra que “não gostar de viver situações de conflito” é um traço cultural tão marcante no Brasil que uma pesquisa feita em 11 países com diretores de empresas mostrou que em nenhum deles é tão forte quanto no Brasil a convicção de que seria vantajoso para as organizações se os conflitos pudessem ser totalmente eliminados.

As conclusões desse livro e do livro Gestão à Brasileira partem de uma base comum. No caso brasileiro, as principais características culturais que marcam o estilo administrativo, estudadas pelos autores são: concentração de poder, personalismo (dos gestores) e desejo de evitar conflitos e postura de espectador (dos subordinados). A combinação dessas particularidades entre si acaba, por sua vez, determinando outros traços culturais, como formalismo, paternalismo, lealdade a pessoas (em contraposição à lealdade a princípios), flexibilidade e impunidade (generalizada).


É nesse cenário que surgem personagens muito comuns nas empresas brasileiras, como o patrão paternalista, que concentra o poder, mas é “benevolente”, e o funcionário "espectador", pouco proativo, mas disponível para fazer coisas para as quais não foi contratado - mas que não gosta de assumir responsabilidades.

Hoje em dia a globalização econômica e cultural têm afetado grandemente a cultura de todos os países. Embora, na via oposta, em muitos lugares o nacionalismo também esteja sendo fortalecido, cabe perguntar até que ponto os traços culturais singulares que marcam os habitantes do planeta serão preservados e até que ponto serão transformados. De qualquer forma, a fusão de todos em uma “cultura global” ainda é um futuro muito longínquo – se é que isso vai acontecer algum dia.

Referências:

  • Culturas e Organizações, de Geert Hofstede

  • O Estilo Brasileiro de Administrar", de Betânia Tanure de Barros e Marco Aurélio Spyer Prates

  • “Gestão à brasileira. Uma comparação com América Latina, Estados Unidos, Europa e Ásia”, de Betânia Tanure

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