WANDERLEY NOVATO
MUDANÇA ORGANIZACIONAL: DEFINIÇÕES, GESTÃO, E AS RESISTÊNCIAS INTERNAS
1 Inovação e gestão da mudança organizacional
Para uma organização é impossível não mudar nunca. Algumas organizações entendem que o processo de mudança é contínuo; outras operam através de ‘saltos periódicos’. Esses dois enfoques são importantes para entender os problemas que podem surgir nesse processo. Processos de mudança contínua representam transições mais suaves, mas podem ser ruins – quando estão perenizando algo – produto, processo, modelos de gestão etc. – que deveriam ser abandonados para uma substituição total (mais traumática). Essa é a diferença entre inovação incremental e inovação disruptiva.
De qualquer forma, é importante considerar que os processos de inovação não devem ser compreendidos como algo isolado, mas sim como algo que afeta e é afetado por muitas variáveis organizacionais internas e externas. Por isso uma reflexão mais abrangente sobre a gestão da mudança é importante para compreender a inovação nas organizações.
Uma maneira de compreender a mudança organizacional, incluindo os tipos de inovação propostos pelo Manual de Oslo, é enquadrá-las em algumas categorias (a ordem dos tópicos seguintes não indica qualquer tipo de importância):
a) estrutura organizacional (redesenho: envolve linhas de autoridade)
b) Comportamento das pessoas (inclui mudança na cultura da empresa)
c) Aspectos físicos (alterações no espaço físico ou nos recursos materiais utilizados)
d) Processos
e) Tecnologia
f) Novos produtos e serviços
Especificando mais, seja por forças internas ou por circunstâncias externas, essas mudanças podem afetar muitas dimensões:
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Estratégia do negócio (modelo de gestão, como internacionalização, terceirizações e branding etc.)
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Processos administrativos (gerais - como planejamento e controle estratégico, ou específicos - de cada área)
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Recursos humanos (formas de contratação, de remuneração, de avaliação de desempenho, programa de demissões etc.)
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Desenvolvimento e expansão da empresa (novos produtos e serviços ou reorientação geral do negócio)
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Aspectos mercadológicos (marca, canais e ferramentas de marketing, redefinição do público-alvo etc.)
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Fornecedores e outros stakeholders, como concorrentes (ou a forma de relacionamento com esses stakeholders)
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Parcerias (estabelecimento, extinção, reorientação)
As mudanças podem ter alcance variado – toda a empresa, algumas áreas, ou mesmo processos específicos em uma área apenas. Além disso as mudanças podem ser mais superficiais ou mais profundas.
É necessário estudar previamente os impactos da transformação (o máximo possível), internos e externos (incluindo as resistências), tentando antecipá-los para melhor tratá-los (isto é: como evitar, como conduzir, como resolver).
Para que a gestão da mudança seja bem-sucedida é importante também que tenha como base o conhecimento / um mapeamento da cultura da empresa; das lideranças, dos funcionários, dos setores e dos procedimentos que serão afetados - entre outras coisas. Essa análise deve contemplar o ambiente empresarial em geral, incluindo a disposição mental (perfil de colaboração ou não) de todos os envolvidos.
A gestão da mudança pode ser eficaz de várias maneiras, e por isso é necessário definir claramente quais são os objetivos a serem alcançados. A mudança pode visar ou priorizar, por exemplo:
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participação no mercado;
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aumento da competitividade;
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resolução de exigências e expectativas dos clientes;
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eliminação de deficiências de desempenho;
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implementação de um novo estilo de liderança;
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alinhamento das áreas com a estratégia do negócio
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introdução de modelos gerenciais mais flexíveis em função de novos cenários
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mudança na orientação comportamental dos gestores/funcionários.
Sem a definição clara de objetivos será impossível uma avaliação posterior dos resultados da mudança. É necessário para isso definir métricas.
Problemas mais comuns nos processos de mudança organizacional:
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Incompreensões que dificultam o alcance dos objetivos
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Muitas mudanças implementadas rapidamente (que podem dificultar a execução das tarefas)
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Gestores sobrecarregados (e as consequências disso na gestão)
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Gerenciamento inadequado da parte operacional
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Comunicação problemática durante o processo
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Resistência de indivíduos ou áreas às mudanças (divergência de ideias ou recusa - de vários tipos)
2 A cultura organizacional e os processos de mudança
Em muitos casos, projetos de mudança organizacional fracassam por motivos relacionados ao desconhecimento das lideranças das características da cultura organizacional.
Cabe lembrar novamente que clima organizacional e cultura organizacional são conceitos totalmente diferentes. O clima é uma fotografia momentânea de como as pessoas se sentem frente à organização, e geralmente é uma variável superficial demais para compor os reais motivos dos fracassos dos projetos de mudança.
Deve-se, inclusive, ter certo cuidado com os resultados das pesquisas de clima: um clima organizacional excelente pode ser derivado do compartilhamento generalizado de uma postura permissiva em relação às falhas.
O que se espera geralmente nas organizações hoje é uma cultura que, quando “fotografada” sistematicamente, revele continuamente um clima organizacional positivo - em que a turbulência do ambiente externo faça com que os indivíduos sintam-se psicologicamente bem frente aos constantes desafios que lhes são colocados. Mas frequentemente este panorama gera, ao contrário, um grande número de pessoas resistentes às mudanças necessárias.
Nesse momento é importante lembrar os aspectos invisíveis da cultura organizacional (conversas, grupos e líderes informais): é a parte submersa do “iceberg organizacional”. Isso também precisa ser considerados para o êxito dos processos de mudança.
A gestão da mudança da cultura organizacional requer, portanto:
a) um processo de mapeamento para identificar a cultura vigente e o perfil comportamental de seus participantes – as lideranças formais e informais, e os liderados;
b) uma análise para reconhecer as diferenças entre a cultura vigente e a cultura desejada;
c) a localização dessas diferenças e lacunas;
d) um plano de intervenção e transição para o desenvolvimento de uma nova cultura.
Mudar a cultura vigente é uma tarefa altamente complexa: é necessário mudar o comportamento dos líderes quanto dos liderados, e para fazer isto, é preciso mudar modelos mentais enraizados, sedimentados na cultura (antropológica) de origem dos indivíduos (iniciada desde a infância, durante os processos de socialização).
O plano de intervenção cultural precisa descobrir como fazer as pessoas se comportarem “contra culturalmente” por tempo suficiente para estabelecer uma nova conduta – uma mudança de hábitos. Como se pode prever, é um projeto ambicioso, que apresenta com frequência muitos fracassos.
Contemporaneamente o projeto de mudança cultural normalmente visa o abandono de culturas rígidas e mecânicas, para alcançar culturas flexíveis e orgânicas – mais propícia às mudanças constantes exigidas pelo ambiente atual. Uma cultura organizacional favorável à mudança inclui variáveis tais como o crescimento pessoal, o estímulo a distribuição de poder, a diversificação de habilidades e competências, e a criatividade para execução das tarefas. Os líderes tendem a ser empreendedores, automotivados e idealistas, que gostam de correr riscos, de antever o futuro, de planejar, obter recursos, e alcançar objetivos ousados.
A ênfase volta-se para a aquisição de novos conhecimentos, com foco na inovação. É para isso que o desenvolvimento comportamental dos indivíduos é a principal variável a ser trabalhada – mas em uma perspectiva grupal, e não apenas individual.
3 O processo de mudança
As fases são as seguintes (adaptação do modelo de J. Kotter):
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Desenvolvimento da estratégia: crie a visão de onde a empresa chegará ao concretizar esta mudança e as estratégias envolvidas neste processo.
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Estabelecimento de um senso de urgência: se a mudança demorar a acontecer, o cenário mudará antes que ela seja implementada. Todos os stakeholders devem entender os motivos estratégicos da mudança e sua urgência.
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Defina agentes da mudança - líderes e influenciadores
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Definição da visão: antecipe o cenário futuro pós-mudança
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Comunicação da visão: defina canais de comunicação e torne a visão e a estratégia claras para todos. A mudança sempre traz receios e só a informação adequadamente comunicada traz confiança
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Antecipação das resistências, para melhor tratá-las.
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Poder aos envolvidos: resistências culturais, tecnológicas e de capacitação devem ser resolvidas e aqueles que se engajam no processo devem ser valorizados.
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Criação de objetivos de curto prazo: a cada a organização são necessários para a percepção de que a trajetória está correta.
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Apresentação de resultados parciais: os resultados positivos permitem o aprofundamento das mudanças para torná-las ainda mais efetivas.
W. Bridges desenvolveu seu modelo de gestão da mudança organizacional baseado no conceito de ‘transição’, considerando basicamente as pessoas – isto é: fatores psicológicos. Segundo ele, a evolução costuma se dar em três fases:
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Final: é o momento em que se percebe que as coisas como eram antes acabaram. Os envolvidos necessitam entender o que mudou, quais as perdas e ganhos, e as alterações que não parecem ser perdas, nem ganhos.
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Zona Neutra: nesse momento as pessoas se sentem um pouco perdidas; a motivação e o gosto pelo trabalho são afetados pela ansiedade. Embora seja uma fase natural do processo, que normalmente é superada paulatinamente, algumas pessoas reagem de forma exagerada, criando grupos de resistência ou até deixando a organização.
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Recomeço: as pessoas se dão conta do propósito da mudança e passam a aceitá-la, compartilhando problemas, soluções e outras descobertas.
Para evitar problemas esse autor enfatiza a importância da comunicação da “visão de futuro” definida no processo de estratégia da mudança (como a organização deverá ser após a mudança), para que pessoas entendam que o esforço e eventuais perdas localizadas valem a pena.
4 Entendendo a resistência às mudanças
Em primeiro lugar é necessário reconhecer a diversidade das mudanças organizacionais: de tipo, origem, alcance, grau de impacto, em diferentes processos, em diferentes áreas ou na organização como um todo. Elas vão gerar diferentes tipos de resistência.
Mudanças causadas pela implementação de sistemas, de processos de automação ou novos modelos de operação são muito diferentes de circunstâncias impostas externamente, como é o caso das mudanças impostas às organizações pela epidemia da COVID-19. Mas as resistências são percebidas, em todos os casos, no comportamento das pessoas.
Pesquisas demonstram que a maioria das pessoas que se demitem, o fazem por causa de seus líderes e não por causa de suas empresas, e o contrário também é verdadeiro: a maioria das pessoas que são demitidas, o são por disfunções comportamentais e não por incompetências técnicas. E esses processos muitas vezes estão ligados às mudanças organizacionais.
Mas é incorreto pensar que o tratamento da resistência às mudanças deve ser sempre “uma mudança cultural”. Como foi afirmado, esse é um processo demorado e complexo e há uma enorme diversidade de mudanças organizacionais. Na verdade, no cotidiano das organizações é preciso conhecer formais mais pragmáticas de solucionar problemas.
Por isso é necessário entender também de forma mais específica as razões porque, em determinada organização (isto é, em determinada cultura organizacional) as pessoas resistem à mudança. Esse é um caminho mais simples e efetivo para lidar com elas, e, considerando o comportamento dos indivíduos, um dos conhecimentos mais úteis e importantes na gestão organizacional.
Ignorar as pessoas afetadas pelas mudanças é um erro mais comum do que pensam os administradores – e é decisivo para o fracasso dessas iniciativas. Os que planejam mudanças organizacionais tendem a não considerar essas pessoas de modo significativo (já que priorizam os resultados), e os implementadores tendem a culpá-las pela resistência – quando o natural, tanto do ponto de vista biológico quanto social, é a manutenção de certas rotinas. Isso alivia a mente (e o cérebro) dos indivíduos de operarem adaptações contínuas, e de iniciarem também constantemente processos de decisão, o que consome tempo e energia. A resistência à mudança é, portanto, algo natural. (Obviamente há limites e condicionantes: quando os benefícios são visíveis, ou quando a mudança não é tão complexa, por exemplo).
Ao atuar sobre os fatores psicológicos que geram a resistência, a implementação das mudanças torna-se mais fácil, e sua aceitação é mais verdadeira e profunda.
Entre outros fatores desse tipo, devem ser mencionados:
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Predisposição natural
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Desinformação sobre o processo de mudança; mudanças sem aviso
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Recusa da mudança da cultura da empresa
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Pontos falhos na proposta de mudança
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Medo do novo; antevisão de ameaças
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Insegurança; medo de estar sozinho para enfrentar o desconhecido
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Não entender as razões da mudança
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Problemas de comunicação
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Falta de reconhecimento individual e grupal nos processos anteriores de mudanças bem implementadas
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Percepção de que algo será perdido, sem a percepção de benefícios posteriores
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Grande conhecimento do que vai ser alterado
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Ausência de participação na proposição do processo de mudança
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Recusa da forma de implementação (imposição, por exemplo)
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Velocidade inadequada na implementação
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Percepção de alteração desfavorável na estrutura de poder
A análise desses motivos de resistência é que irá condicionar a forma de lidar com o problema.
5 Métodos mais comuns para tratar as resistências à mudança organizacional
Os métodos seguintes vão dos mais “leves” aos mais “duros”; todos são frequentemente utilizados pelos gestores – mas a escolha não pode ser feita em razão de preferências pessoais. Na verdade, cada método corresponde a um tipo específico de resistência, e, claro, podem ser combinados, se for necessário.
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Educação e comunicação
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Participação e envolvimento
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Facilitação e apoio
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Negociação e acordo
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Manipulação e cooptação
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Coerção implícita ou explícita
Nem todos esses métodos são recomendáveis, tanto do ponto de vista de adequação no tratamento de resistências específicas, quanto na perspectiva ética. (A manipulação e a cooptação podem ser condenáveis). Em alguns casos, como os relacionados aos desajustes no nível individual, a escolha sobre a “facilitação e apoio” é normalmente muito eficaz. E é claro que os métodos mais leves, como o primeiro e o segundo, são mais desejáveis que os últimos – mas nem sempre são os mais adequados. Em determinadas situações – em urgências, por exemplo, a coerção implícita ou explícita pode ser muito mais eficaz.