WANDERLEY NOVATO
Ecologia Populacional e Escolhas Estratégicas: uma proposta de convergência
Autoria: Lilian de Castro Medeiros, Pedro Andrade Paiva (Rio de Janeiro, ANPAD)
Texto integral disponível em: http://www.anpad.org.br/admin/pdf/2012_EOR191.pdf
1 - Introdução
O capitalismo tem o lucro como um de seus objetivos principais. Por sua vez, a concorrência é um dos meios de que o sistema se utiliza para atingir tal objetivo, exigindo das empresas aprimoramento constante no sentido de maior produtividade, qualidade e menores custos.
Inseridas em um ambiente cada vez mais competitivo, no qual, a todo momento, surgem novas demandas a serem atendidas, bem como o desejo de ganhar participação no mercado e a necessidade de disputar recursos substanciais, as organizações são pressionadas a efetuar mudanças estratégicas em ritmo acelerado. A preocupação das empresas em manter-se bem posicionadas é crescente, exigindo de seus estrategistas o conhecimento da estrutura que faz as forças competitivas evoluírem e o desenvolvimento da capacidade de lidar com essas forças.
Frequentemente, supõe-se que as mudanças podem ser realizadas apenas conforme as intenções e as expectativas dos dirigentes. No entanto, como isso pode obscurecer elementos essenciais à compreensão de como elas realmente se desenvolvem, a transformação organizacional deve ser vislumbrada além do pressuposto da escolha e do planejamento do dirigente, pois fatores de natureza política, cultural e ambiental, entre outros, também interferem em sua definição e implementação.
(...)
2 - A Ecologia Populacional das Organizações: adaptação e seleção
A Ecologia Populacional, segundo Clegg, Hardy e Nord (1998), é uma abordagem da Teoria Organizacional que procura a resposta para duas questões:
-
o que explica a diversidade de empresas existentes no mercado?
-
o que leva as empresas a sobreviverem?
Essa corrente teórica o faz sob duas perspectivas. Segundo a primeira delas - a da adaptação ambiental, as empresas estão em contato direto com o ambiente, recebendo estímulos, agindo de forma a adaptar-se às exigências geradas pelas transformações externas e, além disso, modificando o ambiente por meio de suas atitudes.
Os gerentes são responsáveis por detectar as relevantes ameaças e oportunidades oferecidas pelo ambiente e por formular estratégias de atuação apropriadas para o ajuste ótimo da organização. A maneira escolhida pelo líder para formular estratégias, tomar decisões e implementá-las determina a sobrevivência da organização. Segundo Hannan e Freeman (1978), se o dirigente é capaz de amortecer o impacto dos distúrbios externos e de fazer com que abalem minimamente a estrutura da organização, provavelmente preservará sua saúde.
Há, entretanto, limitações para a capacidade de adaptação das organizações. Os indivíduos são importantes dentro de tal processo. Contudo, nem sempre conseguem determinar previamente as variações que seriam bem sucedidas ou as que mudariam as estratégias e as estruturas de suas organizações de modo rápido o suficiente para acompanhar as demandas de ambientes incertos e mutáveis.
A segunda perspectiva, denominada seleção, deriva desse aspecto. Em contraste com a abordagem da adaptação, que explica a variação da diversidade organizacional em termos de escolhas cumulativas e de mudanças nas organizações existentes; essa segunda perspectiva realça a criação de novas organizações e o desaparecimento de outras para explicar essa variabilidade.
O processo de seleção pode ser descrito como um ciclo composto por quatro fases: variabilidade, retenção, seleção e competição. Segundo Hannan e Freeman (1978), as empresas concorrentes procuram ajustar-se constantemente às demandas do mercado. Entretanto, elas enfrentam limitações em termos de recursos e de capacidade de adaptação ao perfil ótimo de organização definido e requerido pelo ambiente. Assim sendo, o ambiente seleciona aquelas que melhor se adaptam às suas características, levando as demais - em geral, novas entrantes - a adotar o diferencial assertivo das sobreviventes. As organizações que não se preocupam em incorporar o que há de melhor em suas concorrentes abrem mão de se tornarem mais fortes e mais resistentes aos processos de seleção que estão por vir, acabando por ser eliminadas; e, a partir desse momento, as novas sobreviventes começam uma nova competição que realimenta o ciclo.
A perspectiva da seleção, reflexo de um darwinismo social, traz consigo o elemento da adaptação, conforme explicado pelos autores: “[...] A adaptação da população envolve processo de seleção entre os membros. [...] Uma teoria completa sobre a relação organização versus ambiente deve considerar os dois processos, reconhecendo que eles são complementares” (HANNAH; FREEMAN, 1978, p. 171).i
Entretanto, por mais que reconheça que a organização precisa encontrar uma posição de ajuste às exigências do mercado que lhe confira sustentabilidade e, por consequência, garanta a sua sobrevivência, ao partir da premissa de que o ambiente seleciona as empresas que irão atuar em seu âmbito antes da ocorrência do fenômeno adaptativo, a Ecologia Populacional assume que a otimização do perfil de atuação da empresa é determinada pelo ambiente, conferindo menor valor ao papel do dirigente e à postura que ele assume em dadas situações.
2.1 - A Ecologia Populacional sob a ótica da Inércia Estrutural
A Teoria da Inércia Estrutural, que pode ser considerada uma terceira perspectiva encontrada na Ecologia Populacional, tenta explicar as dificuldades de ajuste apresentadas pela organização mediante a análise de características internas e externas a elas. Segundo Burns e Stalker (1961), as pressões inerciais surgem simultaneamente, a partir dos arranjos da estrutura interna das organizações e dos processos de seleção ambiental.
Quando se refere ao ambiente interno, a Teoria da Inércia apresenta, como principais dificuldades adaptativas, a inflexibilidade estrutural, a racionalidade limitada da administração, as restrições de acesso às informações e o que se denomina momentum repetitivo (MILLER; FRIESEN, 1980).
A inflexibilidade se deve, principalmente, à dificuldade de reestruturar a alocação de capital entre as unidades da empresa; aos altos investimentos em planta que inviabilizam a troca de todos os equipamentos ou, pelo menos, da maioria deles, adequando-se às novas exigências do mercado; à complexidade envolvida na redefinição de rotinas, padrões e normas regulatórias internas e à própria história da organização (HANNAN; FREEMAN, 1978).
A racionalidade limitada dos líderes corresponde à característica de analisar todas as modificações ambientais sob uma ótica subjetiva, o que pode levá-los a cometer erros de interpretação que podem comprometer o futuro da organização.
O momentum repetitivo refere-se à tendência a adotar ações anteriores como comportamento corrente, o que nem sempre dá certo, porque o ambiente modificado recebe de modo diferenciado, presentemente, a atitude perfeita do passado.
A racionalidade coletiva, que corresponde ao ato de copiar estratégias assertivas do concorrente para solucionar problemas, é citada por Hannan e Freeman (1978) como mais uma barreira adaptativa, porque nem sempre implementar a atitude alheia para solucionar um problema significa obter êxito. Os dirigentes tendem a fazê-lo, mas sendo diferentes o contexto e as empresas, o resultado pode ser comprometido.
Externamente, apresentam-se como dificuldades as barreiras legais e fiscais para entrar ou sair do mercado, a rede de contatos estabelecida e os contratos assinados. Somam-se a essas as questões da legitimidade e da inconstância das informações recebidas, agravadas pela dificuldade de obter tais informações.
A inércia muda em função da estrutura organizacional que, por sua vez, apresenta características centrais e periféricas. As centrais estão relacionadas às “demandas usadas para mobilizar recursos destinados a iniciar uma organização e às estratégias e estruturas usadas para manter fluxos de recursos escassos” (HANNAN; FREEMAN, 1984, p. 156) . Assim sendo, incluem objetivos organizacionais, formas de autoridade, tecnologia principal e estratégia de marketing das organizações.
As características periféricas, por outro lado, protegem as características centrais da organização em relação à incerteza, formando um filtro e ampliando as conexões entre a organização e seu ambiente. Incluem número e tamanho das subunidades, números de níveis hierárquicos, amplitude de controle, padrões de comunicação e mecanismos de proteção.
Hannan e Freeman (1984) propõem que as características centrais tenham níveis mais altos de inércia do que as periféricas, sendo mais difícil o processo de adaptação de uma organização se esse exigir mudanças nas características centrais.
Esses autores propõem também que, além de mudar em função da estrutura organizacional, as pressões inerciais variem de acordo com o tamanho e a idade organizacional, devido ao fato de que as organizações mais velhas tiveram tempo para formalizar completamente as relações internas, padronizar rotinas, institucionalizar lideranças e distribuir poderes, além de desenvolver redes ricas de dependência e comprometimento com outros atores sociais. Assim sendo, a reprodutibilidade da estrutura e sua inércia deveriam aumentar com a idade.
A tentativa de mudança das características centrais, além de mais delicada, pode diminuir a confiabilidade e a justificabilidade do desempenho da organização, fazendo-a retornar aos níveis de uma organização novata, destruindo ou tornando obsoletas rotinas e competências estabelecidas e rompendo relações com atores ambientais importantes. Ela pode, ainda, minar a “legitimidade” (propriedade de validação por parte do mercado) adquirida pela organização. Assim sendo, a Teoria da Inércia admite que as organizações podem, frequentemente, fracassar como resultado direto de suas tentativas de sobrevivência, embora reconheça que a mudança pode ser adaptativa se a organização administrar para superar os perigos associados à ruptura inicial.
Por outro lado, Hannan e Freeman (1984) afirmam que a inércia pode conferir maiores chances de sobrevivência à organização. A princípio, isso parece contraditório, visto que essa inércia dificulta os processos de transformação exigidos pelo ambiente. O que acontece, no entanto, é que a credibilidade que ela gera e o acúmulo de experiências que exprime bloqueiam o efeito nocivo das modificações ambientais. Afinal, os dirigentes demonstram ser capazes de minimizar os conflitos existentes entre as decisões necessárias ao ajuste da organização ao ambiente e aquelas referentes à sua eficiência interna, o que preserva sua saúde, garantindo-lhe a sobrevivência e permitindo que alcance o sucesso.
2.2 - A Ecologia Populacional sob a ótica da Dependência de Recursos
Para os autores da Ecologia Populacional, a sobrevivência de determinada organização depende também da disponibilidade de recursos humanos, financeiros e materiais existentes no meio em que ela se encontra, conforme dito por Aldrich (1976). Isso quer dizer que as organizações dependem de recursos para serem criadas e mantidas e que o grau de controle destes recursos por parte de outras unidades sociais influencia o processo.
Pfeffer e Salancik (1978) foram os primeiros a reconhecer que as organizações precisam adquirir recursos do meio, dependendo de outras organizações e dos stakeholders aos quais estão ligadas: “O fato de elas não serem autossuficientes faz com que requeiram um suporte ambiental, dependendo de ações de terceiras (e oferecendo, em troca, o que as outras precisam) e estando sujeitas a restrições, barreiras e controle externo” [...] (PFEFFER; SALANCIK, 1978, p. 43).
Segundo Blau e Aldrich (1979), a extensão da dependência de uma organização com relação aos recursos do meio varia de acordo com (1) a influência que os recursos fornecidos por outras organizações exercem sobre seu desempenho; (2) a forma como esses recursos estão alocados no ambiente, o que determina o grau de dificuldade de sua obtenção; (3) a existência ou não de monopólio sobre tais recursos, ou seja, a extensão do controle deles por parte do agente - ou grupo de agentes - que o exerce; e (4) a existência ou não de recursos alternativos. Assim, conforme explica Thompson,
Uma organização é dependente de muitos elementos de seu ambiente operacional na proporção em que sua necessidade de recursos é suprida por esses elementos e na proporção inversa à disponibilidade de outros recursos que possam substituir os anteriores no suprimento das citadas necessidades (THOMPSON, 1967, p. 30).
Quanto maior for a dependência de determinados recursos por parte de uma organização, maior será sua vulnerabilidade perante o mercado. Assim sendo, a fim de diminuir tal vulnerabilidade, a empresa procura aliar- se a outros agentes, o que lhe confere maior acesso aos recursos de que necessita, minorando sua dependência com relação ao ambiente.
A coalizão que transforma a controladora de recursos em parceira confere maior credibilidade à organização, porque significa maior estabilidade com relação à obtenção de recursos importantes. Tal estabilidade indica maior segurança quanto à continuidade das atividades da organização e, consequentemente, quanto ao retorno do capital investido. Essa segurança, por sua vez, é essencial à sobrevivência dos atores envolvidos, uma vez que gera expectativas positivas e os mantêm unidos: “[...] As parcerias de uma organização precisam ser preservadas por meio da gestão responsável dessa rede, minorando as possibilidades de seus recursos tornarem-se escassos ou incertos” (PFEFFER; SALANCIK, 1978, p.47).
Segundo Benson (1975), as interações interorganizacionais geralmente envolvem extensas e recíprocas trocas de recursos ou intenso conflito e hostilidade entre as partes. O controle de recursos determina - respeitando limites - a performance das organizações, sendo a posição da empresa dentro da rede ditada pela influência que ela exerce sobre o fluxo de recursos do meio. Dessa forma, quanto mais vital for o serviço (ou produto) que uma organização disponibiliza, seja para todas as organizações ou para um determinado número de outras, maior o poder que ela exerce, não podendo este último ser dissociado do domínio social que costuma conferir.
Portanto, a análise da dependência de recursos permite compreender as relações de poder existentes nas redes organizacionais. Benson (1975) acrescenta que essas relações são explicadas, ainda, pelas ligações entre as organizações e as instituições ambientais. Assim sendo, organizações mais ligadas aos elementos de seu ambiente são mais poderosas dentro de sua rede, aumentando seu poder à medida que exercem controle sobre o fluxo de recursos dessa mesma rede. A sobrevivência e a prosperidade organizacionais, então, estão diretamente relacionadas ao controle dos recursos dos quais dependem as atividades da organização. E um ator pode ter menor dependência dentro de uma rede a partir do momento em que se utilizar do poder derivado de sua posição dentro das relações do ambiente organizacional mais amplo ou da rede social da qual faz parte.
Atores sociais podem e devem tentar afetar as condições ambientais, a fim de se tornarem menos dependentes e exercerem controle sobre outras organizações [...] Nesse sentido, tentativas de obtenção de maior controle sobre recursos importantes, melhor acesso a informações necessárias à consecução dos objetivos organizacionais têm sido feitas (PFEFFER; SALANCIK, 1978, p.44).
É importante observar que, segundo Emerson (1962), a dependência é um indicador de poder potencial e não de poder efetivo de uma das partes sobre a outra. Isto porque a dependência de “B” com relação a “A” não é igual ao poder que “A” exerce sobre “B”, na medida em que cada uma das partes depende, em alguns aspectos, da outra.
O controle de recursos é a primeira expressão do poder de uma organização dentro de seu mercado. Entretanto, o controle, por si só, não determina a dependência das demais empresas com relação a ela, estando essa dependência muito ligada ao percentual dos recursos que a organização controla, ou seja, à concentração do controle dos recursos. Assim sendo, se determinados recursos do ambiente são controlados quase em sua totalidade por uma organização ou um grupo de organizações, é muito provável que dele dependam as outras organizações do mercado. Entretanto, quando há possibilidade de aquisição desses recursos por meio de fontes alternativas, o poder de cada uma delas individualmente torna-se menor: “[...] Medir a concentração do controle dos recursos significa perceber qual a possibilidade de substituição das fontes convencionais de recursos ligados ao foco da organização por outras que forneçam similares” (PFEFFER E SALANCIK, 1978, p. 265).
Assim sendo, a dependência pode ser definida como produto da importância de dado recurso ou produto para dada organização e a extensão de seu controle por parte de outro grupo.
A segunda expressão do poder de uma organização dentro de seu ambiente consiste em sua capacidade de persuasão (barganha) dentro de uma negociação:
[...] Organizações poderosas podem exigir de seus concorrentes ou aliados determinado comportamento, adoção de políticas e práticas que julgarem viáveis, a adesão a programas cooperativos e outras atitudes que lhes forem convenientes (BENSON, 1975, p. 234).
Se uma organização é capaz de persuadir outras, independentemente de exercer alto controle sobre recursos importantes ou não, ela detém poder dentro de sua rede, afetando as condições ambientais em seu favor, o que amplia suas chances de sucesso.
(...)