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Crise e reestruturação na AMD (Advanced Micro Devices)

 

Extraído e adaptado de: TORRES, G. Análise detalhada da crise financeira da AMD. Texto original disponível em:

http://www.clubedohardware.com.br/artigos/processadores/an%C3%A1lise-detalhada-da-crise-financeira-da-amd-r36507/ Acesso em 01/03/2017.

 

A história da empresa

 

A AMD (Advanced Micro Devices) é uma empresa americana fabricante de circuitos integrados, especialmente processadores. Seus produtos concorrem diretamente com os processadores fabricados pela Intel. Também fabrica circuitos de uso mais geral, como os encontrados em calculadoras e outros dispositivos. Alguns de seus circuitos são encontrados entre os usados pela Apple em alguns de seus novos produtos.

 Foi fundada em 1969 e é uma empresa de capital aberto desde 1972, mas sua história teve um impulso a partir da década de 1990. Em 1993 a AMD entrou em uma joint-venture com a Fujistu, chamada Fujitsu AMD Semiconductor Limited (FASL), para a fabricação de memória flash por ter visto, corretamente, que seria um dos tipos de circuitos mais requisitados no futuro. A “época de ouro”da empresa  durou até cerca de 1995, e foi marcada pelo grande sucesso dos processadores 386 e 486, na fase inicial de expansão do mercado de computadores pessoais.

Além de processadores, nesta época a AMD também fabricava circuitos integrados diversos, como controladores de rede, controladores de unidades de disquete, controladores de teclado, circuitos integrados para telefonia, circuitos lógicos programáveis, EPROMs e memória flash. De fato, a maior parte do faturamento da AMD até 1998 não vinha da venda de processadores.

Nesta época a AMD tinha três complexos de fábricas, um no Japão (da FASL), um na Califórnia e outro no Texas. No final de 1995 a primeira etapa de uma nova fábrica em seu complexo do Texas foi inaugurada. A montagem e teste de seus produtos era feita em Penang (Malásia), Singapura e Bangkok (Tailândia) e eventualmente usando empresas terceirizadas na Ásia. Em 1995, a AMD anunciou seus planos para construir uma fábrica em Desdren, na Alemanha, uma segunda fábrica no Japão para a FASL e a obtenção de um terreno em Suzhou (China).

O crescimento levou à divisão interna em três grupos: microprocessadores (CPG, Computation Products Group), comunicação e componentes (CCG, Communications and Components Group), e circuitos lógicos programáveis (Vantis).

Com o passar dos anos, no entanto, a competição, principalmente com a Intel tornou a empresa mais instável, e, preocupada com a queda na demanda por seus produtos, a AMD apresentou um plano de reestruturação, que incluiu fechar suas fábricas mais antigas no Texas que usavam processos de fabricação mais antigos, mantendo apenas a fábrica mais recente, encerrar as atividades de fabricação de semicondutores e reduzir as atividades na planta de montagem e teste em Penang, na Malásia. No total houve uma demissão de 2.300 funcionários.

Um resumo da história da empresa mostra o seguinte quadro:

Até 1997, a maior parte do faturamento da AMD vinha de outros produtos, e não de processadores. Apenas em 1998, com o K6-2, processadores passaram a representar 50% do faturamento da empresa, subindo até 90% em 2006, ficando na faixa de 75% entre 2007 e 2012. A partir de 2013, a AMD se reestruturou para depender menos do mercado de processadores para PCs (mercado em que ela não consegue competir de igual para igual contra a Intel), com a meta de reduzir a participação de processadores para PCs para 50% de seu faturamento até o final de 2015.

O melhor ano da AMD foi 2000, com um lucro de US$ 1 bilhão, com o sucesso de seus processadores Athlon (K7) e Duron. O pior ano da AMD foi 2007, com um prejuízo de US$ 3,4 bilhões, por conta da compra desastrosa da ATI.

Em 2002, o fundador da AMD, Jerry Sanders, se aposentou e passou a presidência para Hector Ruiz, que afundou a empresa ao tomar péssimas decisões, como comprar a ATI Technologies, uma das maiores fabricantes mundiais de placas gráficas, num investimento calculado em 5 bilhões de dólares, boa parte conseguidos através de um empréstimo, além de 56 milhões de ações da AMD – um preço considerado por muitos superior ao que a empresa de fato valia.

O valor de mercado da AMD desabou, e ao final de 2007 a AMD estava valendo menos da metade que valia um ano antes. O mais preocupante é o fato de a AMD, ao final de 2007, valer menos do que a ATI valia. lembrando que a AMD era uma empresa muito maior que a ATI, com fábricas (que a ATI nunca teve). Hoje a AMD vale menos do que a NVIDIA, que é uma empresa que fabrica apenas chips gráficos. Antes de comprar a ATI, a AMD valia cinco vezes mais do que ela vale hoje.

Após a compra da ATI, a AMD vendeu divisões que ela não tinha interesse, como a de chips para TVs, que vendeu para a Broadcom, e a de chips para smartphones, que ela vendeu para a Qualcomm. Esta última pode não ter sido uma boa ideia; a Qualcomm tem hoje a maior participação no mercado de processadores para smartphones.

A AMD sempre esteve atrás da Intel tanto em tecnologia de fabricação quanto em velocidade de lançamento de novos processadores. Historicamente, a AMD está sempre por volta de dois anos atrasada em relação à Intel. Isto é fato conhecido pela a AMD e escrito com todas as letras em seus balanços anuais.

A AMD perdeu tempo e dinheiro com ideias que não foram adiante, como o computador para mercados emergentes - chamado de PIC, e lançado “...para fazer 50% da população mundial ter acesso à Internet até 2015”.

Em 2009 a AMD separou suas fábricas em uma nova empresa, chamada GlobalFoundries, financiada pelo governo de Abu Dhabi, dos Emirados Árabes Unidos. Em 2012 a AMD se desfez de suas ações da GlobalFoundries e, portanto, atualmente não tem participação societária na mesma.

A partir de 2013 a AMD passou a fornecer os chips tanto para o Xbox One quanto para o PlayStation 4.

 

Análise Final

 

Até 1995, a empresa nunca havia tido prejuízo, mas, de 1996 a 2014, a empresa teve 13 anos de prejuízo (com valor acumulado de US$ 10,3 bilhões), contra seis de lucro (com valor acumulado de US$ 2,5 bilhões). Portanto, nos últimos 18 anos, a AMD carrega um prejuízo acumulado de US$ 7,8 bilhões.

Está claro que a crise financeira foi causada pela gestão inadequada: falta de visão estratégica, demora no lançamento de produtos e decisões erradas fizeram a empresa perder grandes oportunidades, mesmo considerando que a complicada história da empresa envolva, como normalmente acontece em qualquer empresa, acusações contra concorrentes (no caso, a Intel), ações judiciais (no caso, contra a Samsung; além disso a empresa herdou mais de 50 processos judiciais existentes contra a ATI) e conflitos internos (desentendimentos entre o conselho e o presidentes, além de denúncias de vendas de informações confidenciais por alguns executivos).

Enquanto a empresa era presidida por seu fundador, a AMD não dependia tanto do mercado de processadores para computadores. É válido lembrar que a AMD, assim como a Intel, é uma empresa de semicondutores fundada na década de 1960, e fabricava outros tipos de chips. Só a partir do momento que a empresa começa a depender mais de processadores para PCs é que ela começa a dar prejuízo e ter problemas.

Um grande problema em algumas empresas de capital aberto é que não existe um “dono”. O presidente é um funcionário que ganha o seu salário, independentemente se a empresa dá lucro ou prejuízo, e bônus costumam ser vinculados a resultados de curto prazo. No caso do presidente que é fundador da empresa, existe uma relação que pode desaparecer com um presidente “funcionário”, e que vem “de fora”.

Aparentemente a decisão mais desastrada da AMD foi a compra da ATI. De acordo com balanços posteriores da AMD, a própria empresa admite que pagou o dobro do valor justo, endividando a empresa e criando uma crise sem precedentes. A integração dos times da ATI e da AMD foi extremamente complicada, que demorou muito mais do que o previsto.

A situação é tão ridícula que hoje (23/02/2017) a NVIDIA, que é uma empresa que fabrica apenas chips gráficos, vale mais do que quatro vezes mais do que a AMD, e isso já considerando a grande valorização que ocorreu no preço das ações da AMD nos últimos meses. Durante uma década, vimos a AMD valendo bem menos do que valia antes da compra da ATI. Esta situação só se reverteu agora ao final de 2016, quando as ações da AMD dispararam em expectativa ao lançamento da nova microarquitetura Zen.

Em seguida, o mercado começou a mudar com usuários focando mais em dispositivos móveis, e a AMD não apostou nesta transição, tomando decisões “burras”, como vender a parte de chips gráficos para smartphones que herdou da ATI para a Qualcomm – que renomeou a tecnologia para “Adreno” (hoje a Qualcomm é a empresa que tem a maior fatia no mercado de processadores para smartphones). A AMD “culpa” em seu balanço de 2012 o prejuízo a fatores externos, como a mudança de gosto do usuário, sem admitir que foi culpa dela própria não acreditar em outros mercados.

A AMD tem também um problema histórico por não dominar processos de fabricação e estar tecnologicamente atrasada em relação à Intel – dois anos, em média –, conforme ela mesmo admite em vários balanços. Para diminuir esse atraso, ela usava tecnologia da IBM, gastando milhões de dólares para isso (curiosamente, a GlobalFoundries comprou a divisão de microprocessadores da IBM em 2015). Mas é difícil concorrer com a Intel, que é uma empresa muito maior e tem dinheiro de sobra para investir em pesquisa e desenvolvimento.

Mas, mesmo sabendo que ela não tinha condições de competir de igual para igual com a Intel, a AMD continuava insistindo em competir diretamente com ela. Isso tanto era verdade que a proporção do faturamento oriunda de processadores para PCs aumentou de 50% nos anos 1990 até 90% em 2006. Só em 2013 a AMD percebeu que precisava expandir para outros mercados, conseguindo o contrato para o fornecimento dos chips para o PlayStation 4 e para o Xbox One. Neste mesmo ano, a AMD declarou querer que apenas 50% de seu faturamento venha do mercado de PCs até o final de 2015, o que foi de fato atingido.

A decisão da AMD partir para um novo modelo de negócios, sem fábricas, tem suas vantagens e desvantagens. A NVIDIA usa esse modelo de negócios, assim como a ATI usava (e que a AMD continuou, pois os chips gráficos da AMD, mesmo na época que a AMD tinha fábricas próprias, eram fabricados por terceiros). Só que a NVIDIA e a ATI não concorriam diretamente contra a Intel.

A Intel tem fábricas próprias, mas é uma empresa com muito mais dinheiro e pode investir em fábricas. A AMD teria de estar muito mais capitalizada para poder investir de forma apropriada em suas fábricas. Nesta linha de pensamento, a decisão de partir para o modelo sem fábricas parece ser um bom negócio, afinal a AMD voltou a dar lucro após separar suas fábricas em uma empresa à parte, a GlobalFoundries. Por outro lado, a Intel tendo fábricas próprias acelera a pesquisa e desenvolvimento de novos processadores e tecnologias.

A AMD, em particular durante a gestão de Hector Ruiz, reclamava muito da Intel em seus balanços, mas ela poderia aprender algumas coisas com ela, e também com a NVIDIA. Estas duas empresas têm um marketing extremamente agressivo, que a AMD não tem. No site da AMD, por exemplo, é difícil (se não impossível) encontrar informações técnicas detalhadas sobre seus produtos. Nos sites da Intel e da NVIDIA é possível encontrar facilmente tais informações. Tanto a Intel quanto a NVIDIA fazem um marketing agressivo em cima do usuário final, enquanto a AMD tem um pensamento antiquado de ver como seu principal cliente o fabricante de PCs, e não o usuário final.

Outro exemplo de decisão estratégica desastrada foi a compra da empresa de microservidores SeaMicro por US$ 334 milhões, para três anos depois fechá-la. E o computador para mercados emergentes, o “PIC” foi perda de tempo e dinheiro – pois não daria dinheiro para a empresa no volume necessário.

Executivos que querem impor suas ideias “fantásticas”, tentando deixar algum tipo de legado ao invés de procurar detectar as tendências do mercado aparentemente também foram fatores complicadores: é um erro comum de gestão decidir “o que o mercado vai querer” - sem consultá-lo.

A AMD tem futuro? É possível que sim, e a recente valorização de suas ações no mercado em expectativa ao lançamento da microarquitetura Zen para processadores x86 parece provar isto. Como havíamos explicado em nosso artigo “Análise comparativa entre AMD, Intel e NVIDIA”, nem a NVIDIA nem a Intel querem que a AMD desapareça, do contrário elas enfrentarão sérios problemas por conta das leis antitruste dos Estados Unidos e da Europa. Nem os usuários querem isso, pois do contrário ficarão sem opção de escolha.

Para sair da crise, é necessário um novo tipo de gestão, e aparentemente é isto que Lisa Su, presidente desde 2014 (uma engenheira e não uma executiva de carreira, diga-se de passagem) está fazendo. É necessário combinar a visão de longo prazo com o lançamento de produtos que acompanhem as expectativas dos usuários, ao mesmo tempo em que a empresa se desvencilhe das limitações decorrentes de priorizar um único tipo de produto. Seu plano de reestruturação, atualmente em curso, envolve a demissão de funcionários e a modificação de seu mix de produtos para que seu faturamento dependa menos das vendas de processadores para PCs.

Com a expectativa positiva para o lançamento de sua nova microarquitetura para processadores x86, Zen, o valor de mercado da AMD praticamente quadruplicou no último ano: suas ações valorizaram 356%.

 

É necessário, no entanto, aguardar para ver se essa nova microarquitetura será, de fato, o ponto de inflexão na trajetória da empresa, e o que mais será feito em seguida.

 

Todos os dados presentes neste artigo foram retirados dos balanços oficiais da AMD, registrados na SEC (Securities Exchange Comission, órgão americano equivalente à CVM, Comissão de Valores Mobiliários).

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