WANDERLEY NOVATO
A Europa após a Segunda Guerra Mundial :
Impactos políticos, econômicos, sociais e culturais na Administração
josé wanderley novato-silva
É preciso afirmar antes de tudo que não existe, de fato, uma “cultura europeia”, uma “sociedade europeia” e nem uma “política ou economia europeia”; são muitos países com culturas sobrepostas e histórias particulares. Embora a proximidade e antiguidade tenham levado a algumas similaridades, há diferentes linhas de ruptura histórica. O percurso é longo, e envolve relacionamentos com países do Oriente, como a presença de judeus e muçulmanos, e conflitos políticos e religiosos dentro do próprio continente.
Para exemplificar esse quadro, considerando que a língua é uma dos principais eixos da cultura de um povo, e dada a pequena extensão territorial da Europa, observa-se essa diversidade no grande número de línguas faladas. Três, dos principais grupos linguísticos estão representados: as línguas românicas, derivadas do latim; as línguas germânicas, originária do sul da Escandinávia; e as línguas eslavas, situadas na Europa Oriental. Existem ainda no continente outras línguas fora dos três principais grupos, como as línguas célticas - um grupo distinto, que inclui o galês, o escocês e o irlandês, e outras, de origem ainda mais obscura, como o basco.
Em 1945, após o fim da Segunda Guerra Mundial, a Europa encontrava-se nem estado muito pior que no fim da Primeira Guerra; foram cerca de 50 milhões de mortos, e os sobreviventes encontravam-se num ambiente arrasado. A destruição atingiu as cidades, as indústrias, os sistemas de transportes, as comunicações, pontes, canais, portos e fazendas. A reconstrução foi beneficiada pela ajuda norte-americana, num ritmo muito acelerado. Mas, ao contrário da intensificação dos nacionalismos, como no fim da Primeira Guerra Mundial, os europeus se preocupavam em cooperar mutuamente, fortalecendo a unidade continental.
Politicamente o continente viu-se dividido entre as duas superpotências que venceram a guerra – EUA e Rússia, e os dois países disputaram a supremacia no continente destruído. Logo no início do período os governos dos países europeus foram obrigados a racionar a comida para evitar a fome generalizada. Os primeiros invernos foram particularmente difíceis, em virtude da destruição dos sistemas de aquecimento públicos e domésticos. Essas condições, somadas ao trauma da experiência da guerra, resultaram na instabilidade política em vários lugares, e movimentos politicamente “de esquerda”, ganharam força em vários lugares. A social democracia passou a ser politicamente forte na Alemanha; assim como os trabalhistas na Inglaterra, e os comunistas e socialistas na França e na Itália.
A maioria dos regimes ditatoriais, no entanto, foi substituída por regimes democráticos e os países do Leste passaram a ser controlados política e economicamente pela Rússia, que criou uma federação, a União das Repúblicas Socialistas Soviéticas (URSS), formada pelos 17 países vizinhos. As fronteiras dos outros países próximos também foram alteradas: a Itália perdeu possessões para a Iugoslávia (um país, que foi criado pela junção de vários territórios) e Grécia. A Roménia cedeu parte do seu território à Rússia, mas recuperou a Transilvânia (então em poder da Hungria). A Bulgária perdeu o acesso ao mar Egeu. A URSS foi o país mais favorecido com a reestruturação de fronteiras: ganhou territórios da Finlândia e dos países bálticos (Estónia, Letónia e Lituânia), da Checoslováquia, da Polônia e da Romênia. A URSS também ocupava a parte oriental da Alemanha (que foi dividida), incluindo um setor de Berlim. A Polônia cedeu parte da Ucrânia à Rússia, mas recebeu territórios da Alemanha. A porção ocidental da Alemanha perdeu mais de 100 mil km2.
A disputa com a URSS pela supremacia, configurando o que seria conhecido como “guerra fria”, fez surgir nos EUA iniciativas de combate “ao comunismo”. Nos anos subsequentes fizeram parte da guerra fria os armamentos nucleares, a corrida espacial, a disputa pelos recordes esportivos... Deve ser compreendida também nesse contexto a aprovação, pelo congresso americano, logo em 1948, de um Programa de Recuperação Europeia, que previa doações e empréstimos aos países europeus – o chamado “Plano Marshall”. Itália e a França, onde a ameaça comunista maior, receberam inclusive um pouco mais que outros. Em 1949 surgiu uma nova organização - a Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN), em que os Estados Unidos se obrigavam a promover a segurança dos países democráticos e obrigava simultaneamente todos os membros a socorrer os demais em caso de ataque. A OTAN fazia frente ao tratado similar da Rússia: o “Pacto de Varsóvia”.
O Plano Marshall forneceu ajuda fundamental à Europa Ocidental, mas não em grau suficiente para propiciar o desenvolvimento europeu, e por isso algumas nações europeias decidiram cooperar. Em 1950, a França propôs uma parceria entre França, Alemanha Ocidental, Itália, Bélgica, Luxemburgo e Holanda, de compartilhamento de recursos naturais, para acelerar a reconstrução e desenvolvimento dos países. O plano chamado de Comunidade Europeia do Carvão e do Aço (CECA) foi adotado em 1951, Outros planos de cooperação entre países foram criados, até a formação do Mercado Comum Europeu – o antecessor da atual União Europeia.
Em vários países o Estado responsabilizou-se pela reorganização da economia. Com o objetivo de reconstruir o país rapidamente, o governo francês, por exemplo, nacionalizou alguns grandes bancos, companhias de seguro, companhias elétricas e algumas indústrias importantes de ferro e carvão. Durante a década de 1950, a economia francesa cresceu rapidamente, e o padrão de vida da nação aumentou. A França também realizou reformas sociais, e ao longo das décadas seguintes deixou de ter suas colônias no Sudeste da Ásia e no norte da África. Em diferentes graus medidas desse tipo foram tomadas pelos governos da Itália, Alemanha e outros países, como os escandinavos. A tradição de luta operária no continente fez ressurgir os sindicatos, que reivindicaram participação na gestão das empresas e se envolveram também na política partidária, influenciando a criação de leis trabalhistas que punham limites à ação dos empresários. Na maior parte da Europa Ocidental o posicionamento dos governos tendia para a social-democracia, o que na prática resultou na criação do chamado Estado do Bem Estar Social, com serviços públicos de qualidade nas áreas da educação, saúde, transporte e previdência.
Era esse o panorama político e econômico em que os métodos norte-americanos de administração foram adotados pelas empresas, e seu sucesso foi criando ao longo do tempo um tipo particular de sociedade de consumo nos países europeus. Uma relação de amor e desprezo pelo “sonho americano” fazia parte dessa nova sociedade: ao mesmo tempo em que a nova classe média europeia passava a adotar formas culturais dos Estados Unidos, como o rock’n’roll, os supermercados e as lanchonetes, afirmava o seu desprezo pelo consumismo, tentando resgatar os ideais de “nobreza” – a sofisticação, a civilização e a educação que distinguia a Europa dos “novos-ricos” do outro lado do Atlântico. Com a economia sob controle o pleno emprego foi rapidamente atingido, e os países europeus tornaram-se rapidamente “modelos” de sociedade para os outros países do mundo.
A partir da década de 1970 as indústrias europeias já estavam no mesmo grau de competitividade que as americanas, e o seu modelo de gestão, mais participativo, passou também a influenciar as empresas fora da Europa, tornando a “administração participativa” também uma referência, já que, em parte, afirmava que seu sucesso devia-se ao grau de autonomia dos funcionários nos níveis mais baixos da hierarquia – junto à cobrança dos resultados e aos benefícios associados conquistados pelos trabalhadores. Esse novo tipo de “fordismo europeu” - isto é: o fordismo moldado pelas particularidades culturais de cada país da Europa - foi particularmente bem sucedido na Suécia, que iniciou o século XX como um dos países mais pobres da Europa, e terminou esse mesmo século como um tipo de “paraíso entre o capitalismo e o socialismo”, com somente o melhor dos dois mundos.
O modelo de gestão das empresas suecas – o chamado “volvismo” – reflete uma adaptação muito bem sucedida dos princípios de racionalização do taylorismo-fordismo nas empresas cujos integrantes – patrões e empregados – vêm de uma população com alto grau de educação, cuja tradição cultural – de disciplina protestante, postura coletivista e comportamento pró-ativo, seguramente favorece o sucesso de qualquer iniciativa – e não somente na gestão empresarial: também das ações dos governos e das organizações sociais.
Os princípios da empresa sueca, além do trabalho em equipe e da gerência não autoritária, incluem em alguma medida desde o seu início o compartilhamento de informações, a adequação dos espaços físicos e o bem estar dos funcionários e as preocupações sociais, como a segurança dos usuários e a responsabilidade social e ambiental - coisas que ficariam muito importantes no resto do mundo cinquenta anos depois.