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ADMINISTRAÇÃO PARTICIPATIVA – UMA BOA IDEIA NEM SEMPRE TÃO EFICAZ

                                                                                       josé wanderley novato-silva

 

1. UMA BOA IDEIA

 

 

Quando o sucesso das empresas japonesas tornou-se evidente a partir das décadas de 1970/80, o desejo de seguir o seu exemplo tornou-se irresistível, mas a distância entre a culturas oriental e ocidental tornava para muitas empresas muito difícil – quando não impossível - a implementação do “modelo japonês”  e suas bem sucedidas estratégias de gestão de pessoas (círculos de qualidade, tipo de sindicalismo, proximidade entre gerência/chão de fábrica etc). Mas quando o fordismo, adaptado às peculiaridades dos países europeus, também teve sucesso, o que ali foi feito não parecia tão distante. Em países como a Alemanha, França e Itália muitas organizações alteraram a concepção fordista de trabalho, e os fundamentos para essa mudança tinham raízes sólidas na civilização europeia – e essa herança era, para as empresas dos EUA, algo que de certa forma compartilhavam.

 

Entre esses fundamentos estava a tradição europeia de reivindicações e lutas trabalhistas, e as organizações de trabalhadores não deixavam que os patrões impusessem sem restrição padrões ou ritmos de trabalho muito rígidos. Na Alemanha, por exemplo, a obrigatoriedade da participação dos trabalhadores nos conselhos de administração existe desde o final do século XIX. Além disso, a população europeia cada vez mais bem educada queria e podia oferecer contribuições significativas para a inovação e o aumento da produtividade, assim como rejeitava formas de trabalho excessivamente mecânicas.

 

A Suécia foi um país paradigmático nesse campo. A tradição democrática e igualitária do país é muito forte, mesmo em relação aos outros países europeus. O fordismo, em contato com as especificidades daquele país, gerou um modelo que passou a ser chamado de “volvismo” – uma referência à fábrica sueca de automóveis conhecida pela preocupação com a segurança dos seus veículos. O modelo “volvista” tem como outras características básicas a participação e o trabalho em equipe, feito em grupos semi-autônomos, além do “enriquecimento do trabalho” ( isto é: um trabalho menos alienado, dando aos trabalhadores mais voz e autonomia para decidir várias coisas). No "volvismo" a polivalência dos funcionários é estimulada, ao contrário da superespecialização do fordismo clássico dos EUA. Além disso, os cuidados com o ambiente de trabalho são conjugados com um grande respeito pelas pessoas. Tudo isso, claro, surgiu junto com um Estado justo, eficiente e eficaz, no qual a pesada carga de impostos garantia de funcionamento de sistemas impecáveis de transporte, educação e saúde pública.

 

Em países onde a cultura de participação não é tão “natural”, a psicologia organizacional passou a elaborar então formas de participação dos trabalhadores nos processos de trabalho e na tomada de decisões. A ideia era melhorar o desempenho empresarial tendo como foco a mudança na gestão de pessoas. Essa participação foi sendo progressivamente instituída na legislação trabalhista dos mais variados países, correspondendo ao ambiente político-econômico da social-democracia que foi tornando-se cada vez mais importante na Europa, após a Segunda Guerra Mundial. Diversas estratégias de administração que surgiram a partir dessas ideias receberam o nome genérico de “administração participativa”, e seus bons resultados espalharam-se para as empresas norte-americanas e, mais tarde, para os demais países do mundo. A Administração Participativa mostrou-se uma forma de reestruturação produtiva pela sua capacidade de dar sustentação às mais variadas formas de mudança organizacional.

 

Genericamente falando, a administração participativa tem como princípio a valorização a capacidade das pessoas de resolver problemas, conferindo aos níveis hierárquicos inferiores mais autonomia, e associando mais responsabilidade à maior liberdade de escolha. Simultaneamente, ela tende a desalienar o trabalho, criando mais satisfação e comprometimento – o que contribui para o aumento da produtividade e melhoria do desempenho, sem o uso de instrumentos autoritários de vigilância e controle.

 

O auge dessa forma de gestão se deu na década de 1970, quando as economias europeias já estavam restabelecidas do pesadelo da guerra. Sobre o conteúdo ideológico do socialismo, que pertence à história da Europa desde o século XIX, novas formas de participação foram construídas – incluindo comitês de empresa, negociações coletivas, formas de co-gestão e até de autogestão. A gerência foi se tornando mais participativa, e as formas de remuneração passaram a incluir desde a participação nos lucros até a participação na propriedade da empresa (acionária).

 

Numa perspectiva prática, sob esse modelo a distância entre a cúpula da empresa e os funcionários tende a diminuir, e os conflitos entre patrões e empregados passam a ser considerados sem uma perspectiva de confronto.

 

Várias técnicas foram construídas pelos departamentos de recursos humanos das organizações: o Desenvolvimento Organizacional (D.O.) tornou-se uma forma muito conhecida de implementação de mudanças, focalizando a mudança de comportamento que é necessária para que qualquer outra mudança seja bem sucedida. O D.O., como estratégia de intervenção, utiliza normalmente a) atividades de diagnóstico em que o indivíduo tem que representar a sua posição dentro da organização; b) o chamado “feed-back de pesquisa”, com a análise de levantamento de dados da organização; c) a “consultoria de processos” e atividades de orientação e aconselhamento, através de profissionais experientes que trabalham com os indivíduos para que possam definir metas de aprendizagem e de mudança de comportamento; d) “reuniões de confrontação”, em que os grupos analisam os seus próprios problemas e expõem claramente os conflitos internos, e e) estímulo ao trabalho em equipe. Ou seja: algumas atividades têm foco no grupo (construção de “team building”, incentivos financeiros grupais), outras têm foco no indivíduo (aprimoramento das habilidades de liderança e estímulo ao empreendedorismo interno).

 

Fazem também parte dessas iniciativas de RH as mudanças nos horários de trabalho e do espaço físico, o redesenho dos cargos e das tarefas, os planos de assistência e de administração do stress, e as alterações nas formas de gerência por objetivos (os funcionários passam a ter papel ativo nas definições de metas) e de avaliação de desempenho (os chefes também são avaliados pelos funcionários).

 

Muitas das iniciativas da Administração Participativa coincidem com o movimento conhecido como QVT (qualidade de vida no trabalho), que visa associar o sucesso da organização à satisfação no trabalho, medida através de pesquisas de clima organizacional.

 

2. ALGUNS PROBLEMAS NA IMPLEMENTAÇÃO 

 

(Extraído e adaptado de STONER, J. Administração)

 

 

Os teóricos americanos tendem a defender uma administração participativa – enquanto essa for a ideia do administrador. Essa é apenas uma das conclusões do estudioso Geert Hofstede, que acredita que muitas teorias americanas também não podem ser aplicadas às práticas administrativas em outros países.

 

A ideia de que o administrador permite que os empregados participem da administração é compatível com a visão americana de que o poder nas organizações é distribuído de modo desigual, mas na Alemanha, na Noruega, na Suécia e em Israel, entretanto, as distâncias de poder entre as pessoas são menores. Nesses países há uma aceitação maior da “democracia industrial” onde os subordinados têm mais autonomia e tomam iniciativas, como a co-determinação na Alemanha, a autogestão francesa, e os estilo cooperativo de administração dos países escandinavos. Embora muitas dessas ideias tenham sido propostas por Deming e outros teóricos americanos, foram quase totalmente ignoradas pelos administradores dos EUA durante muitos anos, e muitas vezes só foram propostas em situações de crise institucional.

 

Além dos Estados Unidos, muitas empresas de vários países tentam adotar práticas como a administração participativa da Suécia e os bem-sucedidos círculos de qualidade do Japão - entretanto, muitos desses esforços não conseguem se enraizar. Algumas avaliações culpam os administradores, que resistem à ideia de compartilhar genuinamente o poder com seus subordinados, mas parece haver mais do que isso em questão.

 

Estudos de campo em diversas organizações parecem levar à conclusão de que os líderes não podem “escolher” livremente um estilo de administração, conforme acreditem que ele é melhor para os objetivos da empresa. Ao invés disso, precisam conhecer a cultura dos seus subordinados e o que ela diz sobre a distância de poder que eles entendem ser a “correta” entre chefes e empregados. Isso, no entanto, pode ser problemático, porque os funcionários, se perguntados, podem dizer que preferem um estilo dentro do qual não saberão trabalhar produtivamente. Os funcionários, por exemplo, podem não gostar do estilo “centralizador”, e preferir mais autonomia – mas, muitas vezes, não saberão ou não conseguirão trabalhar coletivamente se essa nova realidade lhes for oferecida. Isso vai gerar ansiedade nas chefias e confusão nos funcionários, por não entenderem a razão do fracasso da iniciativa – e ambos procurarão colocar a culpa no outro lado.

 

Mudar um estilo administrativo pode não significar apenas “mudar a cultura da empresa”: essa cultura pode estar fortemente enraizada na cultura da região ou do país onde a empresa está instalada – e mudar nesse nível profundo é muito complicado, pois significa uma alterar comportamentos fundamentados em crenças individuais e fundamentos forjados nas relações familiares e na história de socialização dos indivíduos na infância e na adolescência. Essa mudança cultural é lenta, e dificilmente pode ser imposta. O administrador tem que criar as condições mais adequadas e alterar o seu próprio comportamento – mas, mesmo assim, pode não conseguir o ambiente colaborativo esperado. Esse tem que ser um esforço muito duradouro para gerar frutos, e os impactos dessa implementação - que podem ser nocivos tanto para a empresa quanto para a convivência entre chefes e subordinados - têm que ser bem administrados.

 

Essa conclusão é importante também para administradores que precisam trabalhar em outros países, e para compreender o que deve ser feito no ambiente contemporâneo, em que a força de trabalho passa a incorporar um porcentual cada vez maior de mulheres, membros de outros grupos culturais, de extratos sociais anteriormente excluídos, de imigrantes e de minorias – todos levando expectativas culturais diferentes para o local de trabalho.

As decisões sobre como deve ser exercida a autoridade nas organizações depende, assim, entre outras coisas, do que os subordinados esperam que o chefe faça – e, para alguns grupos, “solicitar a participação” não é algo esperado - mesmo quando todos pensam que isso deveria ser o correto.

 

Ou seja: as pessoas podem desejar uma realidade na qual não saberão trabalhar de forma produtiva. O que pensam ser o ideal pode estar baseado em experiências que não conseguem reproduzir, porque essa “realidade ideal” foi construída por indivíduos integrantes de culturas muito diferentes, com outros pressupostos e valores.

 

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