WANDERLEY NOVATO
A METÁFORA ORGÂNICA EM ADMINISTRAÇÃO
O ENFOQUE SISTÊMICO
A metáfora orgânica em Administração nasceu de uma apropriação da Teoria dos Sistemas (que nasceu em outras áreas do conhecimento); consiste em compreender as organizações como “sistemas”, isto é, falando de forma simplificada, como conjuntos de partes interdependentes que agem em conjunto visando um objetivo comum. Esse enfoque inaugurou um novo modo de olhar as organizações, agora vistas como sistemas abertos, isto é, sistemas que dependem do ambiente externo, embora sejam também capazes de influenciar esse ambiente.
O modelo básico de um sistema compreende “entradas” que são processadas pelas partes que o constituem, organizadas em subsistemas menores, gerando “saídas” de diversos tipos. Para a administração as “entradas” são bem variadas (matéria-prima, pessoas, informações etc), assim como as “saídas”, que tanto podem ser os produtos fabricados ou os serviços prestados, não esquecendo os resíduos que são inevitavelmente gerados. Essas “saídas” podem ser retroalimentadas no próprio sistema convertendo-se em “novas entradas”, ou serem convertidas em “entradas” para outros sistemas que compartilham o mesmo ambiente.
Os sistemas tendem a entrar em equilíbrio com o ambiente externo (homeostase), assim como suas partes constituintes tendem a equilibrar-se entre si; por outro lado, os sistemas tendem à “entropia”, o que quer dizer que tendem também à desorganização e à morte, o que deve ser evitado.
Como foi dito no texto que expõe os conceitos iniciais da Administração toda organização está inserida em um ambiente externo; a “dimensão próxima” desse ambiente compreende concorrentes, clientes, fornecedores etc., que variam de organização para organização (mas sempre de impacto direto); a “dimensão distante” compreende fenômenos macrossociais e naturais, como a cultura da região, fenômenos demográficos, econômicos etc. Para compreender esse ambiente deve ser feita uma “análise ambiental”, selecionando quais as dimensões são mais importantes para cada organização; essa análise é dependente da “percepção ambiental” daquele que a faz – o que pode torná-la extremamente variável e subjetiva.
Compreender a organização dessa maneira é compreendê-la como um ser vivo (um organismo), daí este enfoque (sistêmico) ser chamado de “metáfora orgânica”. A metáfora orgânica, como permite visualizar tanto o lado interno quanto o externo das organizações pode ser estendida mais ainda. Daí os conceitos de “saúde” e “doença” organizacionais, que pressupõem para o administrador uma postura “clínica” (como se fosse um “médico” de organizações), fazendo “diagnósticos”, pedindo “exames” e, ao fim, prescrevendo “remédios” organizacionais. Ao mesmo tempo essa compreensão indicaria que as organizações apresentam “ciclos de vida” – nascimento, infância, amadurecimento e, possivelmente, morte. Assim como os seres vivos, cada estágio de vida apresentaria suas virtudes e suas doenças específicas.
DESENVOLVIMENTO DO ENFOQUE SISTÊMICO - A ABORDAGEM CONTINGENCIAL
A "abordagem contingencial” é um desdobramento desse enfoque, enfatizando a necessidade de equilíbrio entre as dimensões interna e externa (o ambiente) da organização. Como isso pode variar tremendamente de uma organização para outra, visto que elas são sempre diferentes e o ambiente está sempre transformando-se, o enfoque contingencial é chamado às vezes de “teoria do depende” – isto é, as respostas às questões importantes quase nunca são as mesmas – tudo “depende...”.
Os sistemas variam porque podem ser mais (ou menos) mecânicos; há uma enorme variabilidade de tipos de estrutura, embora alguns autores façam uma tipologia (isto é: uma classificação), criando categorias (tipos) mais gerais. (Veja a tipologia de Mintzberg, no capítulo 3 do livro do Morgan - "Imagens da Organização").
De qualquer forma, há uma tendência a uma adequação entre a tecnologia empregada pela organização, a estratégia escolhida, a estrutura da organização, a cultura organizacional e o tipo de processo decisório que ela escolhe (mais centralizado, mais técnico, ou o contrário). Quando não há essa adequação, problemas podem ocorrer. Outros autores chamam a atenção para fenômenos tais como a integração e a diferenciação (isto é: empresas mais homogêneas, ou que têm partes muito diferentes umas das outras). São conceitos fundamentais para compreender principalmente organizações maiores, que necessitam oscilar entre a preocupação com o todo e preocupações específicas com as partes constituintes (veja as idéias de Lawrence e Lorsch, no mesmo capítulo do livro mencionado acima).
OUTRO DESDOBRAMENTO DO ENFOQUE SISTÊMICO - A "ECOLOGIA ORGANIZACIONAL"
Uma visão ainda mais ampla é a “ecologia organizacional”, que vê a “vida organizacional” em um contexto ainda mais abrangente: “evolução”, “seleção das espécies”, “populações” de organizações etc. Os relacionamentos de cooperação entre as organizações são, nessa perspectiva, tão comuns quanto os de conflito, e a construção de uma convivência harmoniosa e sustentável demandaria decisões conscientes de todos os integrantes desse “habitat organizacional e humano”, visto que as organizações, por mais técnicas ou tecnológicas que pareçam, são sempre constituídas por seres humanos, para satisfazer as necessidades desses mesmos seres – esses sim, realmente “organismos” (e não em um sentimento metafórico).
No entanto muitas vezes os princípios do enfoque sistêmico e contingencial são apropriados para construção de “modismos organizacionais” (simplificações para vender livros de administração para leigos), o que não é justo: é um modelo muito explicativo, e totalmente aplicável às organizações – de qualquer setor.
O texto a seguir detalha e aprofunda os principais aspectos do capítulo 3 do livro Imagens da Organização, de G. MORGAN.
A DESCOBERTA DAS NECESSIDADES ORGANIZACIONAIS E DOS IMPERATIVOS DO MEIO AMBIENTE
Extraído de Thomaz Wood, Jr., FORDISMO, TOYOTISMO E VOLVISMO: OS CAMINHOS DA INDUSTRIA EM BUSCA DO TEMPO PERDIDO. Revista de Administração de Empresas, FGV, São Paulo.
No início do século, a ideia de que empregados são pessoas com necessidades complexas, que precisam ser preenchidas, para que possam ter uma performance adequada no trabalho, não era nada óbvia. Elton Mayo foi um dos primeiros a codificar as necessidades sociais no local de trabalho, a identificar a existência e importância dos grupos informais e a enfocar o lado humano da organização.
Outra contribuição notável foi dada por Abrahan Maslow. Ele conceituou o ser humano como organismo psicológico que procura satisfazer suas necessidades de crescimento e desenvolvimento, motivado por uma hierarquia de necessidades fisiológicas, sociais e psicológicas.
Herzberg e McGregor, por sua vez, abordaram a questão da integração dos indivíduos nas organizações através de funções mais enriquecedoras. Isto levaria a maiores níveis de criatividade e inovação. Surgiu daí a ideia de Gerenciamento dos Recursos Humanos, trazendo conceitos como autonomia, autocontrole, envolvimento e reconhecimento.
Os membros do Instituto Tavistock, da Inglaterra, foram os iniciadores da Abordagem Sociotécnica, procurando traçar uma correlação de interdependência entre as necessidades técnicas e humanas nas organizações.
Outra contribuição, a Teoria dos Sistemas, considera que as organizações são sistemas abertos e devem encontrar uma relação apropriada com o ambiente para garantir sua sobrevivência.
Dentro dessa visão, três questões colocam-se para as organizações:
• ênfase no ambiente, aí incluindo competidores, sindicatos, clientes, governo, comunidade etc.;
• compreender-se como inter-relação de subsistemas;
• estabelecer congruências entre os diferentes sistemas e subsistemas, num processo contínuo de identificação e correção de disfunções.
Ainda outra corrente dentro deste campo conceitual, a Teoria da Contingência, teve seus primeiros trabalhos desenvolvidos nas décadas de 50 e 60 por Bums e Stalker, correlacionando o ambiente e as características das organizações, e por Joan Woodward, enfocando a questão do impacto da tecnologia na estrutura.
A moderna teoria contingencial tem tido contribuições dos trabalhos de Lawrence e Lorsch. Eles enfocam essencialmente a necessidade de diferenciação das organizações para fazer frente aos diferentes tipos de mercado e o imperativo da flexibilidade.
Mintzberg, por sua vez, desenvolveu uma tipologia das organizações na relação com o meio ambiente. Para ele, a organização efetiva depende de uma série de inter-relações entre estrutura, porte, idade, tecnologia e as condições da indústria na qual ela opera.
Num extremo, Mintzberg coloca a Burocracia Mecânica, que só é eficiente em ambientes estáveis e executando tarefas simples. No outro extremo, está a adhocracia, capaz de sobreviver em ambientes instáveis e executar tarefas complexas. A forma de estrutura matricial é frequentemente observada entre essas organizações.
Sob a visão contingencialista, a questão que se coloca são a identificação dos fatores de sucesso para a sobrevivência num ambiente dinâmico e a adequação prática das características organizacionais. O objetivo é aproveitar as oportunidades e vencer os desafios colocados pelo meio.
Uma crítica que pode ser feita à visão contingencialista é que ela superestima o poder e flexibilidade das organizações e subestima o poder do meio ambiente.
Tomando emprestada a Teoria da Evolução de Darwin, a visão da Ecologia Populacional diz que o ambiente é o fator crítico na definição de quais organizações têm sucesso e quais falham.
O ciclo de variação, seleção, retenção e modificação das características das espécies é então visto como a chave para a sobrevivência. Este enfoque de alguma forma complementa a visão contingencialista.
As duas teorias anteriores enfocam a organização e o ambiente como fenômenos separados. A Ecologia Organizacional, que se pode considerar como uma síntese, toma o ecossistema total, considerando a evolução contínua dos modelos de interação envolvendo os organismos e seu ambiente.
Kenneth Boulding cunhou a expressão "sobrevivência da adequação, não sobrevivência do mais adequado". Organização e meio estão engajados num modelo de co-criação, onde um produz continuamente o outro.
Uma consequência prática desse enfoque é contrapor o princípio de competição ao de colaboração. No primeiro, o foco está na sobrevivência do mais apto. Mas a atitude competitiva significa uma ameaça à gerenciabilidade do mundo social. Já no segundo, o foco está na sobrevivência da adaptação. Isto leva ao aparecimento de valores comuns e à solução partilhada de problemas. E o caminho das associações profissionais, das joint-ventures e outros tipos de alianças.
Um aspecto complicador do uso da imagem de organizações como organismos é o pressuposto implícito da utilização de um modelo (...) no qual as espécies e suas características são bem definidas. As organizações, por sua vez, tendem a ter características com variação contínua.
Além disso, um organismo representa uma visão exageradamente concreta, enquanto que as organizações são fenômenos socialmente construídos.
Mas, vencidas essas dificuldades, pode-se dizer que essa visão tem uma série de pontos positivos: permite compreender as relações entre organização e meio; enfoca a sobrevivência como objetivo central; valoriza a inovação e, finalmente, depreende uma busca de harmonia entre estratégia, estrutura, tecnologia e as dimensões humanas.