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WANDERLEY NOVATO
A GESTÃO DA QUALIDADE
A busca pela qualidade (de alguma coisa – alimentos, moradia etc.) sempre foi uma preocupação das sociedades, e isso antecede a Administração. Mas seu estudo científico remonta ao início do século XX com o advento do taylorismo e do fordismo. Na década de 1930 surgiu o Controle de Qualidade, implementado por Shewart que permitia monitorar o processo e identificar quando devem ser feitas ações de melhoria. Quase ao mesmo tempo um outro engenheiro americano, Fisher, desenvolvia uma metodologia chamada de Projeto de Experimentos, que mais tarde seria utilizada na indústria. Continuando, em 1950, puxada pela indústria aeronáutica e aeroespacial, iniciaram os estudos formais de confiabilidade, que permitiriam estimar o tempo de vida de componentes e sistemas. Mas somente na década de 1970 surgiu o TQC, ou TQM – Total Quality Control ou Gerenciamento da Qualidade Total.
Esse conjunto de técnicas, junto a uma atitude cultural, surgiu no Japão e logo a seguir foi amplamente difundida, primeiro nos Estados Unidos, e depois no resto do mundo. O crescimento da oferta e a crise do petróleo, em 1970, criaram condições muito difíceis para as empresas e acirrou a competitividade. Esse foi o cenário no qual a gestão pela qualidade floresceu. O TQC prega que todas as etapas, desde o planejamento do produto até o pós venda, devem ter uma visão orientada para qualidade. Muitas empresas entenderam que esse seria o diferencial que iria garantir a sua sobrevivência e implantaram programas de qualidade total. Assim, na década de 1980 observou-se uma grande mudança na forma de gerenciar os negócios e nas relações entre empresas, fornecedores e clientes.
A produtividade, que era a palavra de ordem na primeira metade do século foi substituída pela qualidade. Isso não significa que produtividade não é importante, mas que o importante não é apenas produzir muito, mas sim produzir com qualidade, e na quantidade adequada (isso geralmente é chamado de "produção puxada", e não "empurrada"). E a qualidade é avaliada pelo cliente, ou seja, é preciso produzir produtos que satisfaçam ao cliente para que a empresa sobreviva.
As discussões que cercam a qualidade envolvem muitas variáveis: desde a definição do que seja qualidade, as diferentes percepções do que é qualidade (qualidade percebida) e a questão das garantias – isto é: posso confiar para sempre em um produto que um dia eu achei bom?
A gestão da qualidade do modelo japonês foi traduzida no Ocidente na aplicação de um conjunto de técnicas em parte inspiradas nas ideias de um americano, A. Feigenbaun, mas um dos seus alunos, o japonês Ishikawa afirmava que uma das diferenças básicas entre a concepção japonesa de qualidade e a americana era a recusa japonesa de entregar a "especialistas" a gestão do projeto, que deveria ser responsabilidade de todos (e não de uma área específica). As lições básicas são, além do fato de toda a organização estar comprometida com a qualidade e voltada para o cliente, que os desperdícios devem ser minimizados, os custos diminuídos, os processos controlados, e as condições de trabalho melhoradas. Os autores ressaltam algumas idéias necessárias para isso: educação e motivação; comprometimento administrativo, estabelecimento de um sistema de gerenciamento da qualidade, difusão das ferramentas de gestão da qualidade por toda a organização, trabalho em equipe, identificação das necessidades dos clientes, estabelecimento de metas de qualidade, e objetivos e estratégias de planejamento voltados não somente para o curto prazo.
É importante lembrar que a introdução da gestão da qualidade pode não ser fácil, e por isso precisa ser acompanhada por uma mudança da cultura organizacional, que deve valorizar o envolvimento, a inovação e a aprendizagem, ultrapassando (mas não abandonando) a era do controle estatístico, e iniciando a era da qualidade total.
O engenheiro W. Deming, americano que visitou o Japão após a Segunda Guerra Mundial, durante a reconstrução do país e deu aulas sobre o assunto com outros americanos, como J. Juran, encontrou ali um terreno cultural fértil para suas idéias. (Vale observar que ele, apesar de reconhecido no Japão, ficou desconhecido nos EUA até 1980, quando um programa de televisão da NBC apresentou-o ao público americano).
Deming estabeleceu 14 princípios para tratar o assunto:
Princípio 1 “Estabeleça a constância de propósitos para a melhoria do produto e de serviço, objetivando tornar-se competitivo, manter-se em atividade e criar empregos”.
Princípio 2 “Adote a nova filosofia. Estamos numa nova era econômica. A adminstração ocidental deve acordar para o desafio, concientizar-se de suas responsabilidades e assumir a liderança no processo de transformação” .
Princípio 3 “Deixe de depender da inspeção para atingir a qualidade. Elimine a necessidade de inspeção em massa, introduzindo a qualidade no produto desde seu primeiro estágio” .
Princípio 4 Deixe de aprovar orçamentos com base no preço. Ao invés disso, pense em minimizar o custo total. Desenvolva um único fornecedor para cada item, num relacionamento de longo prazo fundamentado na lealdade e confiança”.
Princípio 5 “Melhore contantemente o sistema de produto e de serviços, de modo a melhorar a qualidade e a produtividade e, conseqüentemente, reduzir de forma sistemática os custos”.
Princípio 6 “Institua treinamento no local de trabalho” .
Princípio 7 “Institua liderança. O objetivo da chefia deve ser o de ajudar as pessoas e as máquinas e dispositivos a executarem um trabalho melhor.
Princípio 8“Elimine o medo, de tal forma que todos trabalhem de modo eficaz para a empresa” .
Princípio 9 “Elimine as barreiras entre os departamentos . As pessoas engajadas em pesquisas, projetos, vendas e produção devem trabalhar em equipe, de modo a preverem problemas de produção e de utilização do produto ou serviço” .
Princípio 10 “Elimine lemas, exortações e metas para a mão-de-obra que exijam nível zero de falhas e estabeleçam novos níveis de produtividade. Tais exortações apenas geram inimizades, visto que o grosso das causas da baixa qualidade e da baixa produtividade encontram-se no sistema estando, portanto, fora do alcance dos trabalhadores” .
Princípio 11 “Elimine padrões de trabalhos (quotas) na linha de produção. Substitua-os pela liderança. Elimine o processo de administração por objetivos. Elimine o processo de administração por cifras, por objetivos numéricos. Substitua-os pela administração por processos através do exemplo de líderes” .
Princípio 12 “ Remova as barreiras que privam o operário de ter seu direito de orgulhar-se de seu desempenho. A responsabilidade dos chefes deve ser mudada de números absolutos para a qualidade. Remova as barreiras que privam as pessoas da administração e da engenharia de seu direito de orgulharem-se de seu desempenho. Isto significa, abolir a avaliação anual de desempenho ou de mérito, bem como da administração por objetivos” .
Princípio 13 “Institua um forte programa de educação e auto-aprimoramento” .
Princípio 14 “Engaje todas da empresa no processo de realizar a transformação. A transformação é da competência de todo mundo” .
Esses princípios, obviamente, são orientações gerais - e não "leis", devendo ser ajustados aos contextos específicos da administração em cada região, ou organização (ou área da empresa).
A área da qualidade é que se preocupa com o desenvolvimento, monitoramento e otimização de produtos e processos, utilizando ferramentas de estatística e de engenharia para a melhoria contínua de produtos e processos. Cuida do Desenvolvimento, Monitoramento e Otimização de produtos e processos, incluindo: Inspeção/ Controle estatístico da qualidade/ Estudos de confiabilidade/ Projeto de experimentos/ Garantias de qualidade (que inclui os sistemas de qualidade), mas envolve também procedência, premiações, marcas, etc.
Os Sistemas de Qualidade são normas que especificam procedimentos que estabelecem a existência dos requisitos essenciais a qualquer sistema de garantia da qualidade, a partir de auditorias internas, e do gerenciamento dos custos da qualidade (de prevenção de erros, e de avaliação da qualidade, o que inclui a estatística) e da não-qualidade (custos internos dos defeitos, e custos externos, tais como devoluções, prejuízos na imagem da empresa etc.).
O interesse em sistemas da qualidade desenvolveu-se de tal forma que em 1987 a Organização Internacional para a Normalização (ISO) lançou uma série de normas específicas à questão da qualidade intituladas Série ISO 9000. Essa publicação visava permitir a comunidade mundial adotar um padrão comum, diminuindo o problema da falta de compatibilidade entre vários documentos nacionais.
A garantia da qualidade e a sua certificação tornaram-se palavras de ordem no meio empresarial. Os consumidores, cada vez mais exigentes e com maior poder de escolha, começam a exigir garantias, atendimento a padrões e conformidade com exigências pré estabelecidas. A série ISO 9000 constitui-se de documentos de orientação e ajuda às empresas para a implementação de sistemas de gestão da qualidade. Elas especificam as exigências, os elementos que devem compreender um sistema da qualidade, mas são genéricas e independentes do setor industrial ou econômico.
Isso tem conduzido a várias críticas no sentido que a ISO 9000 não garante a qualidade. O sucesso de uma empresa está na competitividade de seus produtos e não na certificação obtida através de um dado sistema. No entanto, a ISO traduz o estágio de organização das empresas, sedimenta uma maior confiança nas relações cliente/fornecedor e na imagem organizacional.
A QS-9000 foi uma norma que surgiu de uma demanda específica do setor de produção de automóveis, resultado do esforço das três grandes empresas automobilísticas norte-americanas, Chrysler, Ford e GM, no sentido de criar um padrão unificado de sistema da qualidade para o setor. Em 1988, durante a Conferência da Divisão Automotiva da American Society for Quality Control (ASQC), foi criada uma força-tarefa para conduzir o processo de unificação dos padrões de qualidade das três maiores empresas do setor. Essa força-tarefa elaborou vários manuais de medição, análise de falhas e referências para controle estatístico, resultando na QS 9000, que tem como base a ISO 9001 - a mais ampla da série ISO 9000, pois abrange as atividades de projeto, desenvolvimento, produção, instalação e serviços associados. E desde então as novidades nas normas e nos processos de certificação não param (inclusive de ser questionados...). A QS-9000, no entanto acabou sendo substituída por outra norma da própria ISO - o que mostra como essa área é dinâmica.
O enorme número de empresas certificadas, bem como o emprego de outras formas de garantias, configuram um novo ambiente empresarial dentro do que é chamado por alguns de pós-fordismo (pelos que priorizam, em suas análises, as rupturas entre o fordismo, o toyotismo e as novas tecnologias gerenciais), ou, por outros, de neo-fordismo (pelos que priorizam, em suas análises, as continuidades).
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